Para quem tem fome
por Francisco RussoÉ curioso notar que o país do futebol sempre teve sérios problemas em desenvolver boas histórias envolvendo o esporte nas telas de cinema. Temos Boleiros 1 e 2 e, com boa vontade, Asa Branca - Um Sonho Brasileiro. Há quem diga que a dificuldade em recriar situações de jogo que sejam minimamente convincentes seja o grande entrave, mas há tantas nuances em torno do futebol, especialmente envolvendo o âmbito social, que tal justificativa soa meio preguiçosa. Ainda mais após assistir Aspirantes, um filme que vem mostrar que sim, é possível trabalhar o esporte nas telonas de forma competente e até angustiante.
O olhar clínico do diretor Ives Rosenfeld, estreante na função, se volta para um pequeno clube de Saquarema, cidade da região dos lagos fluminense, chamado Bacaxá. É lá que jogam Junior e Bento, dois grandes amigos que sonham com uma vida melhor no mundo do futebol. Se Bento está com o futuro encaminhado, graças a um contrato já firmado com um clube grande, Junior ainda precisa ralar bastante para chegar lá. Para complicar ainda mais a situação, ele descobriu há pouco que será pai em breve, o que automaticamente lhe traz uma série de novas responsabilidades.
Mais do que trazer cenas de jogo, Rosenfeld está mais interessado em abordar o contexto social em torno dos jovens que vêem no futebol a saída da pobreza. Tudo está contra Junior: ele mora com o padrasto, e detesta estar lá; joga nas divisões inferiores de um time pequeno do interior do estado; precisa fazer bicos para ganhar algum dinheiro e se manter; enfrentar as artimanhas existentes nas peneiras organizadas pelos grandes clubes; lidar com o bebê que está por vir e, é claro, manter a forma e a dedicação para que tenha alguma chance de vingar como jogador profissional. Tantas adversidades o afetam paulatinamente, tornando-se cada vez mais introspectivo e agressivo. É aí que entra a bela atuação do protagonista, o ainda pouco conhecido Ariclenes Barroso, que reflete o estado de espírito do personagem através do olhar e da própria linguagem corporal. Basta uma rápida espiada para logo perceber que algo não está bem.
O porquê de não estar bem é apresentado no decorrer da narrativa, através de sequências contundentes e explosivas. A briga com a mãe de seu filho, interpretada por Julia Bernat, impressiona não apenas pela força da situação, mas também por ela segurar tão bem a personagem sem jamais baixar a guarda. Karine Teles também brilha como a mãe superprotetora, com diálogos inspirados que ora fazem rir, ora machucam graças à verdade jogada na cara. Esta espiral de problemas é ainda impulsionada pela trilha sonora e pela fotografia, mais focada no rosto dos atores do que propriamente no que acontece á sua volta. Assim também é nas partidas de futebol, onde há uma busca pelo desempenho de Junior ao invés do jogo como um todo.
No meio do futebol, há uma frase célebre que diz que "jogador de futebol precisa ter fome, precisa querer ganhar um prato de comida a cada jogo". Aspirantes é a síntese desta reflexão, só que abordando não apenas o que acontece em campo mas todo o contexto que cerca quem luta pelo seu espaço vindo de baixo. Um belo filme, muito bem dirigido e atuado, que reflete bem o que acontece nos campinhos espalhados pelo país. Se não chega a ser uma história surpreendente para quem acompanha os bastidores do esporte, é uma bem-vinda surpresa para o cinema brasileiro, tão carente de filmes sobre futebol e suas diversas nuances.
Filme visto no 17º Festival do Rio, em outubro de 2015.