A voz da verdade
por Lucas SalgadoO sistema jurídico brasileiro está bem longe de ter uma boa fama e motivos não faltam para isso. Mas uma olhadinha em Tribunal mostra que existem sistemas piores, bem piores. Vencedor dos prêmios de Melhor Filme e Melhor Diretor na mostra Horizontes do Festival de Veneza 2014, o longa é um retrato muito bem desenvolvido do sistema judicial da Índia.
O drama escolhe um caso específico para fazer seu recorte, mas acaba sendo muito mais profundo do que a trama leva a crer, afinal ao mostrar a engrenagem do universo jurídico local, a obra acaba sendo um espelho que reflete as desigualdades e as injustiças propagadas no país.
Narayan Kamble é um poeta de 65 anos que é preso durante uma apresentação musical. Ele é acusado de incitação ao suicídio. Um trabalhador do sistema de esgoto é encontrado morto em um bueiro de Mumbai. Por estar sem materiais de segurança, a situação é enquadrada como suicídio. Kamble é acusado de ter feito uma apresentação perto da casa do trabalhador em que incitava que funcionários do esgoto se matassem.
A situação é inusitada e aos poucos vamos descobrindo que nem tudo aconteceu da forma como tenta passar a acusação. O longa oferece uma visão de diversas etapas do processo judicial, exibindo inúmeras sequências de julgamentos, com abertura de fala para os advogados de defesa e acusação e para o juiz.
O processo é interessante e os problemas do sistema são expostos a todo momento. É curioso descobrir códigos de conduta que são completamente absurdos para nós, como a mulher que tem seu julgamento adiado por estar usando um vestido sem manga, o que seria um desrespeito a corte.
Trata-se de uma obra naturalista e extremamente humana, com personagens complexos. Isso é evidente no caso do advogado de defesa (Vivek Gomber), que é extremamente profissional, mas que tem problemas em lidar com os pais. Geetanjali Kulkarni e Pradeep Joshi fecham o elenco principal com extrema competência. A primeira vive a advogada de acusação, enquanto que o segundo é o juiz do caso.
A direção de Chaitanya Tamhane é auxiliada por uma excelente fotografia que prestigia planos fixos e, na maioria das vezes, abertos. Em alguns casos, é curioso notar como a ação principal acaba acontecendo fora do plano.
É curioso notar que a câmera é tão parada que, ajudada pela montagem, acaba oferecendo imagens não apenas do julgamento principal, mas de outros momentos da vida do tribunal. O filme oferece algumas sequências completamente alheias ao processo. A intenção é mostrar que existe vida fora daquelas quatro paredes. O desenvolvimento final, no entanto, falha um pouco neste sentido, ao oferecer uma cena desnecessária após uma sequência de tribunal que seria o encerramento ideal.
Tribunal é um filme contra a censura, que passa a mensagem literal: "São tantos os ataques a arte que a verdade perdeu a voz."
Filme visto no Festival do Rio, em setembro de 2015.