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    Sinfonia da Necrópole
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Sinfonia da Necrópole

    Ópera do cemitério

    por Francisco Russo

    Já há alguns anos, o cenário teatral de Rio de Janeiro e São Paulo conta com uma infinidade de musicais. Alguns derivados de sucessos da Broadway, outros biografias de músicos renomados e alguns poucos baseados em canções originais, criadas para os palcos. Talvez seja este o trabalho mais complexo, pela difícil tarefa de compôr músicas que se adequem à história e, ao mesmo tempo, tragam uma sonoridade que conquiste o público. Pois no cinema brasileiro há um caso destes, ainda pouco conhecido: Sinfonia da Necrópole.

    Primeiro trabalho solitário de Juliana Rojas na direção – ela já havia comandado Trabalhar Cansa, ao lado de Marco Dutra -, Sinfonia da Necrópole é, acima de tudo, um filme ousado. Não apenas por ser um musical com canções originais, algo raríssimo no cinema brasileiro, mas também pelo fato de sua históra girar em torno de um... cemitério! Ao invés do esperado tom fúnebre, pode-se ver uma história inspirada e divertida, ambientada por canções de vários estilos, sem jamais perder o tom respeitoso.

    O personagem principal é um insólito coveiro medroso, Deodato (o competente Eduardo Gomes), que precisa trabalhar ao lado de Jaqueline (Luciana Paes, bem em cena), funcionária do serviço funerário, na tarefa de remodelar o cemitério de forma que o local abrigue mais jazigos. Nesta reforma agrária às avessas impulsionada pelo capitalismo, uma boa quantidade de túmulos precisa ser transferida para um cemitério vertical, cuja capacidade de abrigar ossadas é bem maior – ou seja, mais dinheiro à vista.

    Trilha sonora à parte, há dois achados no filme: a sensibilidade de Deodato em confronto permanente com a decidida Jaqueline, que rende toda uma parábola envolvendo um possível romance entre os dois,  e a fauna do cemitério. Do administrador ao padre local, passando pelo hipocondríaco e a dona da loja que vende flores para enterros, o filme oferece coadjuvantes que dão um charme extra pela naturalidade com a qual estão inseridos na trama principal. Mérito do roteiro, escrito pela própria diretora, que com habilidade inclui elementos típicos do ambiente de um cemitério de forma leve, provocando um contraponto delicioso.

    Entretanto, é impossível falar de Sinfonia da Necrópole sem mencionar a proeza de seus números musicais. O primeiro deles, um sambinha que começa com o batucar das pás dos coveiros, é de uma naturalidade desconcertante, já que até então o filme sequer insinua qualquer compromisso com o musical. As letras, compostas por Juliana e Marco Dutra, são sempre de acordo com o momento do filme e, em vários casos, conduzem a própria história, no melhor estilo Os Produtores. Impressiona também a qualidade de canto do elenco como um todo, e a diversidade de estilos musicais. Por exemplo: a canção que anuncia o cemitério vertical, protagonizada por Hugo Villavicenzio, remete às músicas cantadas por David Tomlinson em Mary Poppins, pelo timbre de voz. Da mesma forma, nas canções mais lentas, o timbre de Eduardo Gomes lembra o de Chico Buarque – o timbre de voz, é importante ressaltar!

    Divertido e surpreendente, Sinfonia da Necrópole é um filme que entretém e traz, como pano de fundo, os interesses comerciais existentes no mundo atual. Por mais que tenha um final um tanto quanto brusco, trata-se de um filme corajoso como proposta e pelo que entrega ao espectador. Atenção especial para duas sequências: a canção dentro do carro, iniciada com o tilintar das gotas de chuva, e a participação afetiva de Sara Silveira, produtora do longa-metragem, no karaokê. Muito bom.

    Filme visto durante a cobertura do 42º Festival de Gramado, em agosto de 2014.

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