País da intolerância
por Bruno CarmeloCena 1: um grupo de neonazistas agride um árabe e um homossexual com socos e pontapés. Cena 2: os mesmos neonazistas batem em um homem que passa pela rua. Cena 3: o grupo ataca comunistas de madrugada com facas e barras de ferro. Cena 4: os neonazistas se reúnem para bater em um grupo de jovens punks. Os primeiros 20 minutos deste drama são repletos de sangue e ossos quebrados, retratados em imagens explícitas, chocantes, acentuadas pela montagem frenética e pela tensa câmera na mão.
Desde as primeiras imagens, Sangue Francês apresenta uma França marcada pelo ódio, por pequenos grupos que reivindicam seus direitos através da exclusão dos direitos alheios. O principal representante dos skinheads é o jovem delinquente Marco (Alban Lenoir). Ele venera as ideias do Front National (partido de extrema-direita francês) e acredita na violência como forma de diversão e sinal de patriotismo. De modo determinista, o roteiro acredita que os ideais racistas do personagem provêm de uma educação falha: Marco possui uma mãe ausente e um pai com deficiência física e mental.
Depois de várias cenas agressivas, o filme decide saltar vários anos à frente. Depois, salta mais uma vez, e depois, faz mais uma elipse. Essa estrutura fragmentada visa demonstrar a evolução no protagonista: a cada novo ano, anunciado em um letreiro na tela, ele se tornou um pouco mais tolerante, mais aberto à diferença. Paralelamente, seus colegas neonazistas são punidos: um deles (Samuel Jouy) torna-se paraplégico após uma briga, o outro (Paul Hamy) vai à cadeia, um terceiro (Olivier Chenille) perde a vista.
O diretor Diastème está munido das melhores intenções, acreditando na redenção dos racistas e apontando a tolerância como o único meio para o funcionamento social. O problema está no didatismo, fruto de um olhar simplório aos aspectos políticos em jogo. O elemento mais importante desta palestra está ausente das imagens: por que Marco mudou? O que levou à sua transformação? Seria o fato de ter sido preso (o que atribuiria um caráter supostamente moral à policia), ou a amizade com um farmacêutico gentil (Patrick Pineau)? Como racistas e neonazistas podem mudar suas ideias? As cenas mais importantes do filme são aquelas que a montagem deixa de fora, esquecidas entre os saltos temporais.
Por fim, Sangue Francês recai no senso comum alarmista. Basicamente, o diretor afirma que o racismo é ruim, e a aceitação da diferença é positiva. O discurso é importante, mas caberia num pequeno panfleto, ou nos 140 caracteres de um tuíte. As imagens chocantes de crânios perfurados e as falas agressivas contra os negros e árabes apenas tornam didático um discurso que já era bastante óbvio. Alban Lenoir, no papel principal, consegue trazer complexidade ao personagem, com uma atuação sutil e variada. Mas Diastème poderia usar o cinema para discutir, ao invés de doutrinar.
Filme visto no Festival do Rio, em outubro de 2015.