Dramalhão à francesa
por Francisco RussoA atriz Valérie Donzelli obteve um bom destaque em sua segunda incursão no posto de diretora, A Guerra Está Declarada, lançado em 2011. O longa-metragem, que relata a batalha de um jovem casal contra o câncer maligno do filho, foi o representante francês ao Oscar de filme estrangeiro daquele ano e, apesar de não ter conquistado uma indicação, arrancou vários elogios – inclusive no Festival de Cannes, onde foi exibido em primeira mão. Quatro anos e três longas depois, Donzelli retorna ao evento para apresentar seu novo trabalho, o romance Marguerite & Julien. O resultado não poderia ser mais diferente.
Baseado em um roteiro escrito por François Truffaut nos anos 1970, que desistiu de rodar o longa por não querer fazer um filme sobre o “tema da moda”, Marguerite & Julien aborda a sempre delicada questão do incesto. Irmãos gêmeos, cresceram muito próximos um do outro e, já despertando uma certa desconfiança, foram separados pelos pais ainda na adolescência. Já adultos, voltam a se encontrar e logo a atração se torna um intenso desejo incontrolável.
Há algumas escolhas duvidosas da diretora em relação ao longa-metragem... A primeira delas é que o filme começa em tom de conto de fadas, com a história de Marguerite e Julien sendo contada para um grupo de crianças – a ideia é que eles sejam uma lenda moderna, transmitida de geração a geração devido ao amor proibido que sentiam um pelo outro. Por mais que o filme assuma uma clara postura a favor do casal, tal definição soa bastante estranha devido à idade das crianças e o que acontece com o casal título. Mais ainda: esta plateia é simplesmente abandonada na reta final do longa-metragem, sem que haja um desfecho para aquele público que acompanhava tão atentamente a história.
Outra opção que causa estranheza é estética. Assim como fez em A Guerra Está Declarada, Donzelli opta por uma direção repleta de maneirismos, seja na edição ou na própria concepção visual. Com isso, em certos momentos surgem objetos completamente anacrônicos à época em que a história se passa, como a súbita aparição de um helicóptero em pleno século XVII! O mesmo acontece em relação à trilha sonora, que volta e meia apresenta um ritmo mais moderno. Não funciona.
Por outro lado, a diretora constrói um filme que trata o amor vivido pelos personagens principais com grande pompa e um romantismo exacerbado, no melhor estilo Romeu & Julieta. “Nosso amor é uma maldição”, ela diz. “Irei salvá-la do inferno”, ele promete. Há ainda o sofrimento eterno dos pais diante da tragédia iminente envolvendo os filhos, sempre dividida entre ameaças e uma esperança inabalável que tudo se resolva, por mais que não haja indícios para tanto. Anaïs Demoustier e Jérémie Elkaïm fazem o que podem como o casal protagonista, mas muitas vezes ficam limitados pelo tom exagerado de seus personagens.
Por mais que apresente todos estes problemas desde o início, ainda assim Marguerite & Julien conseguia se sustentar dentro da proposta de drama de época romantizado. Entretanto, no terço final há uma virada brusca rumo ao dramalhão, ressaltando o quanto os personagens sofrem apenas por um amar o outro e com direito a súbitos questionamentos se o que faziam era correto, moralmente falando. A esta altura do campeonato, soa como piada involuntária. O mesmo vale para boa parte da fuga, resolvida também de forma bem questionável sobre os pontos de vista estético e de narrativa.
Marguerite & Julien é um filme que sofre nitidamente do exagero proposto por sua diretora. Fosse mais convencional, ou menos histriônico, poderia render ao menos um filme razoável. Do jeito como ficou, parece uma grande mistura de várias ideias aleatórias, sem critério sobre o que realmente serviria à história.
Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.