Se Steven Spielberg não inventou a diversão, certamente é o maior embaixador vivo do entretenimento. Equilibrando a carreira como diretor entre produções ditas mais "sérias" (que garantem a ele o prestígio entre a classe, como The Post - A Guerra Secreta e Ponte de Espiões, para ficar em exemplos mais recentes) e a aventura à la "Sessão da Tarde" (entre elas, E.T. - O Extraterrestre e Os Caçadores da Arca Perdida, dois clássicos), o cineasta entrega, com Jogador Nº1, um de seus blockbusters juvenis mais relevantes dos últimos tempos.
Um dos trunfos do novo filme é o livro homônimo no qual se baseia. Escrita por Ernest Cline (que assina o roteiro do filme ao lado de Zak Penn, responsável pela história de The Avengers: Os Vingadores), trata-se de uma obra de culto à cultura pop, recheada de easter eggs.
Ready Player 1 (no original) se passa em 2045, quando o mundo "real" é assolado pela pobreza, e a válvula de escape é um universo paralelo de realidade virtual conhecido como "Oasis". Oasis é um jogo inventado pelo nerd, outsider, James Halliday (Mark Rylance, um gigante fazendo comédia sem esforço, como um aparvalhado) que, quando morre, em 2040, deixa um desafio: Aquele que encontrar o "easter egg" (é um ovo mesmo), a partir do cumprimento de três provas, ganha o controle total do sistema - e uma bagatela de meio trilhão de dólares (!)
O universo da Oasis - onde é possível ser, literalmente, quem você quiser - é de um visual impactante. Apesar de se tratar, em princípio, de um game, ele é construído de forma a se apreciar cada detalhe (bem, como são tantos, pelo menos não à primeira vista). E, apesar do ritmo frenético das sequências de ação, é possível acompanhar o quadro com clareza - o que nem sempre acontece neste tipo de produção. Disso se percebe que o filme não é feito apenas para um público específico (de gamers), mas tem potencial para abarcar uma audiência mais abrangente.
Já os easter eggs - é quase angustiante ficar caçando as referências ao longo da exibição - têm foco nos anos 1980, época pela qual Halliday tem um especial apreço, mas servem para outras gerações também - O Iluminado, por exemplo, entra com uma forte "ponta" na produção.
Ninguém é mais fã do magnata do que o órfão Wade Watts (Tye Sheridan, o Ciclope de X-Men: Apocalipse), o que credencia o jovem com cara de "garoto comum" ao favoritismo na corrida ao Ovo. Ao longo do percurso, Parzival - nome do avatar que ele adota dentro da Oasis, que é uma corruptela de Percival, um dos cavaleiros do Rei Arthur, famoso por sua busca pelo Santo Graal - reúne um time de amigos, conhecidos como "High Five", interpretados por Olivia Cooke (o interesse amoroso do rapaz), Lena Waithe (de Master of None) e os estreantes Win Morisaki e Philip Zhao.
O resultado (da corrida) é previsível, assim como a historinha de amor. Também há uma pretensa preocupação com a representatividade (com a união dos High Five), mas o foco é mesmo a figura de Watts/ Parzival. Mas o que sobressai, no fim das contas, é o sentimento da "aventura em grupo", tão comum ao cultuado subfilão hoje nostálgico da Sessão da Tarde - talvez o maior easter egg do filme.
No caminho do grupo está a Innovative Online Industries (IOI), principal concorrente da Oasis, que contrata um exército de jogadores para tentar encontrar o Ovo. A empresa é comandada por Sorrento (Ben Mendelsohn, fazendo mais um vilão), que faz, na companhia do "monstro" i-R0k, uma dupla tão gananciosa quanto por vezes atrapalhada - responsável pelos momentos mais hilários do filme, principalmente o segundo personagem, que ganha a voz de T.J. Miller (Deadpool).
É válido ser bem sucedido no mundo virtual quando o mundo real não está lá essas coisas? É possível substituir um pelo outro? (Qual o sentido da vida?) A conclusão a que chega Jogador Nº 1 é praticamente pueril. Mas em tempos de caras coladas nos celulares, o desfecho funciona como um lembrete para as pessoas (sobretudo os mais jovens) de que é importante olhar mais umas para as outras.
Filme visto no festival South by Southwest (SXSW), em março de 2018