O preconceito no esporte
por Bruno CarmeloNo início, este documentário parece se ater à constatação do óbvio: existe homofobia no esporte, inclusive no surfe. Vários atletas não podem assumir a sua homossexualidade, com medo de serem rejeitados pelos demais e de verem as suas carreiras profissionais afetadas. Por isso, a grande maioria do(a)s surfistas gays finge namorar pessoas do sexo oposto ou simplesmente esconde o assunto. Para embasar o discurso, o diretor Ian Thomson entrevista alguns dos mais famosos surfistas gays e heterossexuais pelo mundo.
Aos poucos, o filme começa a levar o seu discurso para caminhos mais complexos. Primeiro, questionam-se as origens da homofobia. Sem a ambição de fornecer uma resposta única à questão, Thomson ao menos apresenta boas hipóteses, como a mercantilização da sensualidade de seus praticantes promovida pelo esporte. De acordo com o filme, patrocinadores e revistas de surfe - dois grandes responsáveis pela sobrevivência econômica do esporte - exploram imagens erotizadas dos surfistas, forçando homens a corresponderem ao ideal viril de conquistadores brutos, e as mulheres a corresponderem ao ideal de sedutoras. De qualquer modo, o olhar externo parece ser sempre masculino, indicando com quem este espectador heterossexual quer se identificar, e com quem gostaria de se relacionar. Este funcionamento não seria exclusivo do surfe, mas operaria de modo particularmente opressor neste esporte.
Além de entrevistar esportistas, o documentário também conversa com jornalistas esportivos, fotógrafos e sociólogos. É neste momento que ele se torna mais interessante: quando insere o esporte em um contexto social mais amplo do que suas histórias individuais. Thomson tem mesmo a audácia de entrevistar diretores das maiores federações mundiais de surfe, questionando-os sobre o silêncio diante da homofobia. É uma pena que ele não vá além, cobrando atitudes efetivas quando alguns destes dirigentes esquivam-se das perguntas, mas a iniciativa ainda é louvável.
Talvez Out in the Line-Up perca um pouco de sua força quando foge da esfera global para a esfera mais íntima. O produtor do longa, Thomas Castets, aparece frequentemente em tela, falando de sua própria experiência, de seus amigos e gastando um tempo surpreendente com a propaganda de seu próprio site na Internet, destinado a reunir surfistas gays pelo mundo. Neste momento, a ambição sociológica ganha ares de oportunismo e egocentrismo. Felizmente, cenas como estas não impregnam toda a narrativa.
Também seria interessante se o documentário buscasse uma linguagem mais complexa, para além da tradicional alternância entre depoimentos e imagens de arquivo, que domina toda a projeção. O projeto é muito mais ambicioso como panfleto político - afinal, o diretor percorre diversos países no mundo, colhendo os depoimentos mais variados - do que como cinema. No que diz respeito ao aspecto político do filme, vale notar que, apesar de atribuir um pouco de responsabilidade aos dirigentes do esporte, Thomson atribui a maior responsabilidade aos esportistas no silêncio diante da homofobia.
Deste modo, é sintomático que a projeção termine com uma longa e apaixonada defesa do coming out, ressaltando a necessidade de esportistas “saírem do armário” e revelarem publicamente a sua homossexualidade. O cineasta acredita que a existência de modelos a seguir dentro do esporte é o principal estopim para a aceitação de surfistas gays, por isso, a mudança partiria principalmente das iniciativas de indivíduos corajosos. Pode-se concordar ou não com a solução apresentada, mas pelo menos ela indica uma reflexão e um claro posicionamento político sobre o tema, algo condizente com a iniciativa de Thomson e Castets.
Filme visto no Rio Festival Gay de Cinema 2014.