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    Dois Caras Legais
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Dois Caras Legais

    De volta ao politicamente incorreto

    por Francisco Russo

    Você pode não conhecê-lo pelo nome, mas Shane Black revolucionou os filmes de ação nos anos 1980 a partir do roteiro de Máquina Mortífera. A mescla de sequências de ação com momentos bem-humorados, representada na dupla formada por Mel Gibson e Danny Glover, não apenas fez sucesso como marcou época - e, obviamente, foi copiada à exaustão nos anos seguintes.

    Apesar da fama conquistada em Hollywood, Black demorou a galgar o passo seguinte rumo à direção. Apenas em 2005 lançou o divertido Beijos e Tiros, com um Robert Downey Jr. ainda antes do estrelato, onde mais uma vez demonstrou seu timing cômico. Mais oito anos se passaram até que o velho amigo Downey Jr. o indicasse para o contestado Homem de Ferro 3, de longe seu maior sucesso comercial graças à popularidade do herói da Marvel. Pois agora Shane Black retorna com seu terceiro longa-metragem como diretor, Dois Caras Legais, onde não apenas recupera o frescor de outrora como ainda acrescenta mais um elemento à sua fórmula: a nostalgia.

    Situado em 1977, Dois Caras Legais não se contenta em replicar figurinos e gírias da época - o que também faz, muito bem. O grande objetivo do diretor (e também roteirista) é abordar sem receio o politicamente incorreto, tantas vezes visto nos filmes estrelados por Clint Eastwood na época, não apenas como homenagem mas também como entretenimento. Black, no fim das contas, quer fazer rir não apenas do que é exibido, mas também do que nos tornamos, nesta busca incessante em não ferir sensibilidades. É como se a todo instante apontasse o dedo para a indústria do cinema, lembrando-a do que foi e do que pregava.

    Isto não significa que este seja um filme preconceituoso, longe disto. Mas, por exemplo, é normal ver uma criança falando palavrão, assistindo filmes pornográficos, dirigindo carros ou até mesmo empunhando armas de fogo, sem qualquer pudor. São situações absolutamente banais dentro desta realidade influenciada pela contracultura, onde a experimentação atingia os mais variados níveis. Este é outro grande acerto do longa-metragem: capturar a atmosfera da sociedade da época, retratada de forma precisa tanto na festa retratada quando no próprio cinema experimental que integra a narrativa. Assim eram os anos 70, com suas loucuras e particularidades.

    Em meio à tamanho capricho na ambientação, Black mais uma vez aposta em uma dupla recheada de contrastes: o truculento Healy (Russell Crowe) e o atrapalhado March (Ryan Gosling). Ambos são detetives obrigados a unir forças na busca por uma jovem desaparecida, recebendo ainda a ajuda inusitada da filha de March, Holly (Angourie Rice). Por mais que seja uma trama de investigação um tanto quanto rocambolesca, ainda assim ela rende momentos divertidos tanto pelas cenas de ação quanto pela qualidade do trio principal. Se por um lado Crowe traz um personagem um tanto quanto parecido com o que interpretou em Los Angeles - Cidade Proibida, Gosling brilha intensamente ao compor um detetive e pai desastrado, repleto de maneirismos, mas ainda assim verossímil. Já Rice demonstra uma desenvoltura impressionante perante seus colegas de elenco, sendo um elo fundamental para que o politicamente incorreto funcione tão bem no longa-metragem.

    Extremamente divertido, Dois Caras Legais funciona tanto como homenagem como uma espécie de paródia aos anos 70, pela inevitável comparação com os dias atuais. Vale prestar atenção nas inúmeras referências que surgem, sejam visuais ou nos diálogos, no uso do nosso "Garota de Ipanema" como música de elevador e em toda a sequência de abertura, mais exatamente em como a nudez é retratada em dois momentos bem distintos. Muito bom.

    Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.

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