Reportagem do Brasil profundo
por Bruno CarmeloUm primeiro elemento de interesse neste documentário é a visão de um Brasil distante das imagens turísticas. Não se trata do país colorido das capitais e dos cartões postais. A jornada privilegia pequenas regiões pobres do centro-oeste onde são praticadas todas as formas de crença e de misticismo, expandindo a ideia de uma população quase inteiramente católica e evangélica.
O Brasil em questão está distante das regras sociais, mantendo um diálogo singular com a transcendência. São retratadas cirurgias espirituais, cânticos com línguas distintas, adoração a ícones pagãos, reações a chás alucinógenos. Esta viagem jamais teria o mesmo interesse sem a presença de Marina Abramovic, artista de origem iugoslava com um profundo trabalho relacionado às expressões do corpo. Com comentários inteligentíssimos e um olhar respeitoso, ela explora o Brasil com vontade genuína de conhecer todos os rituais, preces e cultos.
A presença de Abramovic é o ponto alto do filme. O documentário vale pela instigante voz em off, uma reflexão de grande entrega, como se estivéssemos lendo um diário íntimo da visitante. Sua postura com a câmera e com os brasileiros desperta a sensação agradável de fluidez e naturalidade. A narrativa serve para revelar ao espectador um ponto de vista externo da cultura local - a rápida análise de Abramovic sobre um quadro brasileiro, por exemplo, representa um momento precioso do filme.
Infelizmente, o diretor Marco Del Fiol não faz muito além de acompanhá-la. O formato de Espaço Além flerta perigosamente com a telerreportagem, semelhante às matérias de viagens exóticas presentes em canais “descolados” da TV paga nacional. Mas com o diferencial de ter uma apresentadora de luxo, coordenando muitas cenas em que apresenta suas experiências artísticas. De certo modo, a noção de autoria neste projeto é compartilhada: Abramovic parece determinar as imagens e o discurso tanto quanto o próprio diretor. Para o bem ou para o mal, a artista se confunde com a obra de arte, apropriando-se da direção.
Os momentos em que Del Fiol cria metáforas imagéticas, como as cenas envolvendo o chá de ayahuasca, são interessantes, porém esparsos demais para compor um estilo próprio. O cineasta limita-se à observação, enquanto a montagem contenta-se em traçar um percurso mais ou menos linear da artista no país, com letreiros explicativos na tela. Faltam fricções entre as imagens, confrontos entre os discursos dos personagens, ou seja, faltam reflexões que venham da direção, e não apenas da entrevistada.
Apesar da postura passiva da mise en scène e do formato excessivamente convencional, Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil consegue efetuar a convergência entre racionalismo e misticismo, essencial para a compreensão da pluralidade de crenças no país.