Conflitos internos
por Francisco RussoÀ primeira vista, Little Boy - Além do Impossível é um bucólico e inofensivo filme daqueles que reprisam ad eternum nas Sessões da Tarde da vida. Tem um espírito motivador, de incentivo ao acredite em si mesmo e defesa da família, com uma mensagem religiosa embutida e um desfecho claramente emotivo. Entretanto, em meio à pasmaceira formulaica, este longa-metragem do diretor Alejandro Monteverde oferece alguns elementos interessantes. E são eles que despertam a atenção em meio a tantos elementos repetitivos.
O primeiro deles é o modo como o preconceito norte-americano em relação aos japoneses é denunciado. Por mais que este não seja um filme que aponte o dedo para as falhas estadunidenses durante a Segunda Guerra Mundial, chega a ser surpreendente o esforço em retratar a maciça propaganda de guerra feita para que a nação se unisse contra o inimigo nipônico. A sequência de pai e filho assistindo a uma "inofensiva" animação no cinema, seguida pela citação aos campos de concentração nos Estados Unidos e a generalização do preconceito em torno do personagem Hashimoto (Cary-Hiroyuki Tagawa), apenas não merece mais aplausos devido à ausência de alguma situação mais enfática de repúdio ao próprio preconceito. Mas, de certa forma, trata-se de uma escolha compreensível. Afinal de contas, Little Boy não tem por proposta narrativa o incentivo à qualquer polêmica, muito pelo contrário.
É no elo existente entre o pequeno Pepper (o carismático Jakob Salvati) e seu pai (Michael Rapaport, burocrático) que está o cerne do filme. Mais até do que o elo sanguíneo, é a perda do parceiro de todas as horas que aflige o garoto e o leva a tentar o que for possível para trazê-lo de volta. É quando ganha corpo o viés religioso, apresentado pelo padre Oliver (Tom Wilkinson), que funciona mais no sentido de crer no supostamente impossível. Este é outro ponto positivo de Little Boy: o longa-metragem jamais tenta catequisar o espectador, por mais que ressalte o poder da crença através de um olhar infantilizado. Há até um ousada comparação visual entre as histórias em quadrinhos fantasiosas com as lendas do Antigo Testamento, bem como uma brincadeira com a famosa frase "a fé pode mover montanhas" - tudo dentro do tom morno que permeia todo o longa-metragem.
Entretanto, por mais que possua algumas sacadas espertas que indiquem um duplo sentido oportuno, é inegável que Little Boy seja um filme bem conservador e, esteticamente falando, simplório. O uso da luminosidade para transmitir paz, algo ressaltado também pela ambientação de cidade pequena, é onipresente. A câmera buscando quase sempre o close dá também ao filme um certo caráter televisivo. A condução didática de várias de suas subtramas, como a do irmão London (David Henrie) e a pequena participação de Kevin James, também incomodam. A própria saga de Pepper para cumprir os itens de sua lista é em certos momentos bastante esquemática, por mais que o filme entregue algumas cenas bem humoradas.
O duelo entre o convencional e a ousadia surge de vez no final, onde o diretor busca a todo custo o choro do espectador. Manipulador ao extremo, Monteverde ensaia um desfecho corajoso e realista para, logo em seguida, optar por uma saída bem mais convencional. Faltou coragem ou foi pressão dos produtores? Difícil dizer. De toda forma, Little Boy é um filme que vive neste conflito entre o que poderia ser, insinuado em subtextos e citações habilmente inseridas na narrativa, e o feijão-com-arroz de todo dia, presente especialmente no modo como a narrativa é conduzida.