O amor é um campo de batalha
por Francisco Russo“Tem um coração neste corpo. Tenha pena de mim.”
(Connor Ludlow, personagem de James McAvoy)
Comédias românticas costumam seguir uma fórmula previsível. Um casal briga o tempo todo até que uma virada surge para mostrar que há algo em comum entre eles, o que os leva ao inevitável e alegre desfecho - já reparou como são raríssimas as comédias românticas sem final feliz? The Disappearance of Eleanor Rigby : Them vem bagunçar um pouco o coreto ao apresentar um roteiro bastante inusitado que, por mais que traga elementos do gênero, é bem mais profundo do que uma comédia romântica tradicional. A começar pelo trecho descrito acima, que surge logo no início. Quantas vezes você viu um homem se abrir desta forma em algum filme?
A proposta em torno do projeto, por si só, já chama a atenção. Them é a junção de dois outros filmes, Her e Him, que apresentam a mesma história mas sobre pontos de vista diferentes. Ou seja, nos filmes derivados é possível acompanhar todo o desenrolar desta mesma trama básica a partir do olhar de cada integrante do casal principal, formado por James McAvoy e Jessica Chastain. Them é a união destas duas vertentes, mostrando um panorama completo desta difícil relação que, logo nos primeiros minutos, já tem um bom histórico.
É justamente esta bagagem que tanto ele quanto ela carregam que tanto intriga no longa-metragem. Sabe-se que eles têm uma história pregressa, que ela não quer vê-lo de forma alguma, que ele insiste em estabelecer algum contato, mas o que afinal de contas aconteceu? A resposta vem aos poucos, surpreendendo o espectador, não apenas pelo que revela mas também pelo peso da descoberta. The Disappearance of Eleanor Rigby: Them não é um filme sobre um casal, mas sobre a dor. Ou, mais exatamente, sobre como lidar com as feridas incontornáveis que um fato grave, bem grave, descarrega de forma avassaladora. Só que, ao mesmo tempo em que é bastante doloroso, encanta.
Encanta principalmente porque é um filme muito humano. Humano nas necessidades, nas buscas, nas aflições e até mesmo nos enganos. Nos momentos divertidos, como são várias das conversas entre as personagens de Chastain e Viola Davis. Nos momentos românticos, como são as recaídas do casal principal. Nos momentos de fuga, quando a dor se torna tão grande que ela parece ser a única opção. No olhar de preocupação das pessoas à sua volta, aflitas com a dor camuflada e o que ela pode causar. Humano por trazer consigo sentimentos, e respeitá-los. Mérito para Ned Benson, autor deste belíssimo roteiro e também diretor do longa-metragem.
Para coroar esta história de descobertas inesperadas, há ainda uma grande atriz. É impressionante a atuação de Jessica Chastain, pela fortaleza que representa e a sensibilidade na verdadeira montanha-russa que é sua personagem. James McAvoy também faz um bom trabalho, mas é ofuscado pelo brilho dela. Um casal que combina, na alegria e na tristeza, na química e no choro. Um casal de verdade.
The Disappearance of Eleanor Rigby: Them é um filme impressionante, dono de uma carga emocional pesada que vai se manifestando aos poucos, mas que também aponta caminhos. Em especial no desfecho fabuloso, no qual o espectador sabe exatamente o que acontecerá, mesmo sem que o longa mostre. Delicado e sensível, um filme para ser visto e sentido.
“A tragédia é uma terra estrangeira, onde não se consegue falar com os nativos.”
(Julian Rigby, personagem de William Hurt)
Filme visto no 67º Festival de Cannes, em maio de 2014.