Querida juventude
por Bruno CarmeloA mídia francesa costuma dizer que Michel Gondry é o “mais americano dos cineastas franceses” (depois de Luc Besson, é claro) por construir obras sobre pessoas fracassadas e sonhadoras, nos moldes produzidos à exaustão pelo cinema independente dos Estados Unidos. O diretor utiliza a linguagem cinematográfica de modo romântico e invariavelmente otimista, ora enveredando pelo excesso de efeitos e truques (A Espuma dos Dias), ora se deleitando com um generoso humanismo, caso de Micróbio e Gasolina.
O curioso título faz referência à dupla de protagonistas: Micróbio é o apelido de Daniel (Ange Dargent), por ser pequeno demais, e Gasolina é o apelido de Théo (Théophile Baquet), jovem que ajuda seu pai com peças mecânicas e sempre cheira a combustível. Por razões diferentes, eles são excluídos do grupo dos jovens populares na escola: Daniel é tímido e desajeitado, Théo soa extravagante. Assim, acabam se unindo. A fórmula da união dos marginais é conhecida, mas ao invés de reforçar o não pertencimento às normas da sociedade, a comédia prefere oferecer aos protagonistas um mundo só para deles - outra especialidade de Gondry.
No caso, os dois decidem construir uma pequena casa sobre rodas e viajar até o centro da França (local conhecido como pouco atraente, de raras opções turísticas) para reencontrar um antigo acampamento da infância. Mesmo na pré-adolescência, os protagonistas já são nostálgicos em relação ao passado. O diretor, paralelamente, mantém sua paixão pelas criações analógicas, desde a própria casa sobre rodas ao desprezo em relação aos smartphones e à tecnologia moderna em geral. Tudo que remete às “novas gerações” (o punk, o selfie) é ridicularizado no filme.
O sucesso deste projeto deve-se muito aos ótimos personagens e atores. Gondry encontrou dois jovens atores inexperientes, mas muito confortáveis diante da câmera. Esta presença realista é ajudada pelos excelentes diálogos filosóficos sobre a juventude, que parecem verossímeis vindos de dois garotos inteligentes, com senso de autoironia. As conversas entre Daniel e Théo são deliciosas, mas nunca jocosas: o filme possui evidente respeito e afeto por estas duas figuras.
Micróbio e Gasolina consegue se colocar no ponto de vista dos adolescentes no que diz respeito ao estranhamento das obrigações, das regras e do mundo adulto - frio demais, no caso da família de Théo, e incompreensivo demais, na família de Daniel, com destaque à doçura de Audrey Tautou no papel da mãe. O road movie é o gênero perfeito para expressar a busca de liberdade, a dócil rebeldia destes dois jovens em plena viagem de autodescoberta.
Por fim, Gondry evita pesar a mão nos personagens e nos acontecimentos, mas também não foge do peso das responsabilidades. A iluminação natural, os diálogos verossímeis e a câmera sempre próxima aos personagens criam a atmosfera de intimidade e companheirismo. A belíssima cena final - mistura perfeita de realidade e imaginação - comprova o talento do diretor no retrato carinhoso das diferenças e da juventude. Micróbio e Gasolina é uma obra solar, divertida, que embute em sua fantasia uma crônica complexa sobre o amadurecimento.
Filme visto no Festival do Rio, em outubro de 2015.