Minha conta
    Leviatã
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Leviatã

    O lobo e a baleia

    por Lucas Salgado

    "O homem é o lobo do homem." A frase popularizada por Thomas Hobbes no século XVII cabe com precisão para resumir Leviatã, produção russa premiada com o Melhor Roteiro no Festival de Cannes de 2014. Não por acaso, Leviatã também é o título de um livro de Hobbes. Por mais que o filme faça referência a passagem da Bíblia que trata do monstro marinho, a leitura de Hobbes também encontra abrigo no longa.

    Leviatã não é um filme sobre monstros que estão no mar, mas sobre monstros que andam pela terra. Sim, são os homens. Por sinal, é bem simbólica a presença de uma impressionante ossada de baleia abandonada no meio da praia, como demonstração de que aquilo que vem do mar não consegue sobreviver diante dos males que estão na terra.

    Em uma cidadezinha na região do Mar de Barents, no litoral da Rússia, um pai de família briga na justiça para não ter as terras apropriadas pelo corrupto prefeito. Para isso, conta com a ajuda de um amigo que é advogado em Moscou. Os dois preservam uma amizade desde que serviram juntos no exército e este amigo usará de seus contatos para descobrir alguns esqueletos no armário do prefeito.

    É um filme sobre a decadência do homem e da sociedade. Não existem inocentes e todos são corruptíveis. O longa retrata com precisão a Rússia pós-queda do comunismo, com instituições que preservaram a pompa (principalmente no que diz respeito ao tamanho dos edifícios) mas que foram inundadas numa onda de burocracia e corrupção.

    A relação entre natureza e sociedade é tratada com precisão pela câmera, que percorre os belos cenários do litoral russo e ainda faz questão de capturar inúmeras cenas profundas de "natureza morta". As aspas está ali pois nem sempre estamos diante de algo proveniente da natureza. Depois muita coisa morta que foi deixada ali pelos homens, como as carcaças de vários barcos. Mas o significado é exatamente o mesmo dos ossos da baleia, transformando tudo em natureza.

    O diretor Andreï Zviaguintsev, que escreveu o roteiro ao lado de Oleg Negin, faz um trabalho primoroso, contando com um filme que muda de foco várias vezes ao longo de seus nada cansativos 141 minutos. A ideia por trás é sempre a mesma, mas a trama sofre inúmeros desvios ao longo da projeção. Discute-se política, corrupção, amizade, adultério, abandono, religião e muito mais. E nada soa exagerado ou fora do tom.

    Alexeï Serebriakov interpreta Kolia, o protagonista da história, enquanto que Vladimir Vdovitchenkov surge como Dimitri, o amigo advogado. Outros destaques do elenco são Elena Liadova, que vive a esposa de Kolia, e Roman Madianov, que interpreta o prefeito. Leviatã é uma obra complexa e inteligente, que também oferece alguns momentos de descontração, presentes principalmente nas cenas em que os personagens bebem como verdadeiros russos.

    O filme é conduzido como uma ópera, contando com uma composição sempre incisiva de Philip Glass. A música é parte importante da história, mas não se preocupa em retratar os sentimentos vistos em cena. Ela busca sim reforçar o cenário decadente da sociedade.

    Filme assistido durante a cobertura da Mostra de São Paulo, em outubro de 2014.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top