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    Do Lado de Fora
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Do Lado de Fora

    Cinema de reconforto

    por Bruno Carmelo

    Esta comédia dramática nacional parte de um princípio nobre: relatar as dificuldades de gays e lésbicas em assumirem publicamente a sua homossexualidade. O ponto de vista é otimista, terno, sugerindo que a solução encontra-se na solidariedade e na união entre homossexuais. As boas intenções são louváveis, mas o discurso unilateral não basta para fazer um bom filme, que exigiria, em primeiro lugar, uma reflexão sobre a maneira como esses conflitos são mostrados em tela.

    Aí começam os diversos problemas de Do Lado de Fora. O roteiro tenta usar uma estrutura semelhante à de séries comunitárias, como The L Word e Queer as Folk. Cada personagem representa um estereótipo: temos Vicente (Marcello AIroldi), o homem maduro e solteiro, Roger (André Bankoff), o musculoso e casado com uma mulher, Mauro (Luis Vaz), o garoto afetadíssimo e Rodrigo (Maurício Evanns), seu colega tímido. A ideia é fazer com que esses quatro “estilos” de gays deem conta de toda a comunidade LGBT.

    No entanto, o diretor Alexandre Carvalho insiste nos clichês mais gastos e reacionários. O homem musculoso é mostrado nu e seminu sempre que possível, e o efeminado serve principalmente como alívio cômico – a exemplo dos piores programas de humor da televisão aberta. A história cria um grande conflito para cada um, de maneira pouco desenvolta: ora entra em cena a farsa infantil em torno da possível esposa de Vicente, ora surge num passe de mágica um namorado para Rodrigo. O viril Roger representa a bissexualidade (porque é mais “macho”), enquanto o histérico Mauro nunca é visto como potencial par romântico de ninguém (porque é mais “feminino”).

    Tecnicamente falando, De Lado de Fora possui um orçamento limitado, o que não representa nenhum problema em si. A linguagem cinematográfica poderia ser usada de maneira criativa para contornar as limitações, mas a produção apresenta algumas passagens que beiram o constrangimento. A fotografia é simples e discreta, mas a montagem faz o uso de cortes, fades e cortinas bastante amadores (como na cena do vão do Masp), enquanto a direção de arte limita-se ao mínimo necessário para preencher cada cômodo filmado. E o que dizer da projeção risível de imagens sobre as telas de computadores e iPads?

    Embora esses aspectos possam ser criticados, nenhum elemento atrapalha tanto em Do Lado de Fora quanto a edição de som e a mixagem. O filme não possui um editor de som, ou um responsável pela trilha sonora, e sim um DJ hiperativo. Cada cena é tratada como uma esquete independente, com uma música lounge invadindo cada segundo das cenas, em volume altíssimo, sobrepondo-se aos diálogos. Fica a impressão de estarmos vendo um filme projetado na parede de uma festa, enquanto alguém mixa músicas de elevador logo ao lado. Se o trabalho de som na pós-produção não fosse tão atroz, certamente o resultado final teria uma aparência mais profissional e coerente.

    Existem pontos positivos, claro. Um deles é a escolha da drag Silvetty Montilla para interpretar a sogra de Roger. Não apenas a escolha de uma drag para o papel de uma mulher demonstra um questionamento mínimo sobre a representação do gênero (enfim!), mas Montilla também é a única do elenco a dominar os códigos da comédia. Ela rouba a cena a cada momento em que aparece. Outro ponto de interesse é a presença de um casal de lésbicas, bastante desconectadas do resto da trama, mas que pelo menos discutem a importante questão do engajamento, e das formas válidas de protesto contra a homofobia. É uma pena que o assunto não se aprofunde, e que seja abandonado com o desenrolar da narrativa.

    Com seu bom-mocismo ideológico e simplicidade estética, Do Lado de Fora funciona como uma espécie de cinema de reconforto, que tem muito afeto por seus personagens, passando a mão na cabeça de cada um tal qual uma mãe amorosa. A intenção é dizer “Calma, tudo ficará bem, os problemas um dia vão passar”. Talvez o público gay jovem se sinta acolhido por este discurso, que tem a sua pertinência. Como forma de cinema, no entanto, ele foge de todas as importantes questões levantadas: a intolerância religiosa (relativizada no final), as agressões homofóbicas (simplesmente esquecidas pelas vítimas, e usadas como “pretexto” para se encontrarem), a dificuldade de se assumir gay. O universo de Do Lado de Fora é idealizado, e tristemente desconectado do mundo real.

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