Pegadinha de Cannes!
por Francisco RussoÉ fácil gostar de Toni Erdmann. Trata-se de um filme bem humorado que prega sentimentos positivos, conquistados através da sedução do rancoroso após muita insistência. A luta incessante somada à relação conturbada entre pai e filha, um tema sempre exponencial por envolver família, completa o serviço. Mas ele é realmente bom? Não.
De certa forma, o novo trabalho da diretora Maren Ade lembra bastante Patch Adams, outro longa-metragem repleto de gatilhos meticulosamente preparados para capturar o coração do espectador, mesmo que para tanto crie um mundo completamente ilusório e o venda como se fosse real. Aqui, o personagem-título é na verdade Winfried (Peter Simonischek), um senhor que adora surpreender quem está à sua volta com brincadeiras inusitadas. Com sua dentadura postiça sempre a postos, seu estilo de vida irrita profundamente a filha Ines (Sandra Hüller, a melhor do elenco), uma mulher sisuda que precisa ter o controle em mãos e considera o trabalho o centro de sua vida.
É claro que eles não vão se dar bem. E é claro que ele vai atrás dela, tentando reavê-la - boas intenções, lembra-se? Só que sua coletânea de piadas não é suficiente, o que faz com que adote um novo truque: criar um alter-ego, alguém que não para de falar mentiras e que surge sempre de repente, onde quer que ela vá. É o suficiente para que a magia tenha início, em um estalar de dedos.
Sem qualquer interesse em trabalhar o lado psicológico dos personagens e com piadas pra lá de ingênuas, que em certos momentos lembram as contadas no programa televisivo A Praça é Nossa, Toni Erdmann segue sua jornada rumo à redenção sem a menor pressa. São 162 minutos de duração - isso mesmo, quase três horas - , período exageradamente longo para o que o filme se propõe a ser. A única sequência realmente divertida, onde o inusitado enfim funciona, é a da festa de aniversário. E só!
Típico feel good movie que pode ser encarado como auto-ajuda - rir é o melhor remédio! -, Toni Erdmann é um filme cansativo e irritantemente simplório. Entretanto, o que mais impressiona é o fato de ter sido selecionado para a badalada mostra competitiva do Festival de Cannes, talvez por ter sido vendido com a promessa de leveza. Ela até existe, é verdade, mas ao custo de muita manipulação.
Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.