Jornalismo em tempos de cólera
por Lucas SalgadoPassada a Copa do Mundo, os olhos da imprensa e da população se voltam para as Eleições 2014, que irão apontar novos representantes dos governos federais e estaduais. Quem está ligado nas redes sociais e nas notícias do nosso dia a dia já percebeu que virão dias sombrios pela frente, com um radicalismo tomando conta de muita gente. E parte da “culpa” por tal cenário é de nossa imprensa, que muitas vezes segue interesses políticos e comerciais. O radicalismo é tanto que chegamos a nos deparar com um colunista de uma grande revista do país chamando Gabriel García Márquez de idiota no obituário do mesmo, pelo simples fato do Nobel da Literatura ter uma posição ideológica de esquerda.
Conhecido por comédias como O Homem que Copiava, Meu Tio Matou um Cara e Saneamento Básico, O Filme, Jorge Furtado decidiu focar justamente na cobertura jornalística dos dias de hoje neste novo documentário. Apesar de citar casos de péssimos trabalhos da imprensa, o diretor preferiu ouvir profissionais que considera ser de primeira linha. São os casos de Bob Fernandes, Cristiana Lôbo, Fernando Rodrigues, Geneton Moraes Neto, Janio de Freitas, José Roberto de Toledo, Leandro Fortes, Luis Nassif, Maurício Dias, Mino Carta, Paulo Moreira Leite, Raimundo Pereira e Renata Lo Prete.
A consciência social não é novidade na carreira de Furtado. Não só aborta temas sérios em suas comédias como também foi responsável pelo clássico curta-metragem Ilha das Flores. Em O Mercado de Notícias, o diretor busca justamente discutir o jornalismo nestes tempos de cólera, ouvindo representantes importantes da grande mídia e incentivando a reflexão sobre o meio.
Entre os depoimentos presentes, Furtado insere uma montagem da peça The Staple of News (1625), de Ben Jonson, que é inédita no Brasil. Ao lado da professora Liziane Kugl, o diretor teve que adaptar o rebuscado texto para o português, tendo feito um trabalho incrível. Realizada três anos após a chegada do primeiro jornal britânico, a peça original é ainda hoje muito atual, debatendo temas como o interesse por trás da notícia, a relação com a fonte, o financiamento da publicação e muito mais. Chega a ser sintomático que um texto de 1625 funcione tão bem em 2014.
O Mercado de Notícias é um filme para se visto, pensado e discutido. Deveria ser obrigatoriamente exibido em faculdades de comunicação por todo país. Além dos depoimentos e da montagem da peça, o longa trabalha numa outra frente, que tem um lado mais investigativo. Mesmo focando no "bom jornalismo", Furtado acaba caindo no "mau jornalismo" ao apresentar alguns estudos de caso, em que analisou ponto a ponto de algumas matérias que ganharam destaque na mídia nos últimos anos.
São quatro os casos reais estudados pelo filme: a Escola Base em São Paulo, em que administradores foram acusados de pedofilia e massacrados pela mídia para depois serem inocentados; o episódio da bolinha de papel que atingiu o candidato José Serra na corrida presidencial de 2010; a crise da tapioca do ministro Orlando Silva, que usou o cartão corporativo para comprar uma tapioca de R$ 8,00; e o caso do Picasso do INSS, em que um importante jornal do país publicou uma reportagem dizendo que havia um quadro de Picasso na sede do INSS em Brasília.
O caso da bolinha de papel e o do Picasso funcionam como alívio cômico na narrativa, ainda que sejam de fundamental importância na reflexão da atuação da imprensa. O último, por sinal, traz Furtado num momento Michael Moore, investigando o episódio pessoalmente, chegando a visitar o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) para mostrar onde estava o quadro verdadeiro do pintor. O que estava no INSS, como era de se esperar, era uma réplica.
O longa possui uma linguagem bem leve, quase televisiva. Pode ser visto tanto na telona quanto na telinha, mas uma coisa é certa: deve ser visto.