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    O Conto dos Contos
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    O Conto dos Contos

    Era uma vez...

    por Francisco Russo

    Pode-se dizer que muito da fama obtida pelo diretor italiano Matteo Garrone deve-se ao Festival de Cannes. Afinal de contas, foi nele que faturou duas vezes o Grande Prêmio do Júri, por Gomorra e Reality - A Grande Ilusão, o que lhe trouxe uma boa projeção no meio artístico internacional. Garrone agora retorna ao festival com seu mais novo trabalho: O Conto dos Contos. Um filme bem diferente do que seu público está habituado a ver.

    Se em seus dois longas anteriores o diretor buscou trabalhar com a realidade nua e crua - por mais que em Reality haja um deslumbramento em relação aos reality shows, ainda assim ele é bem pé no chão -, aqui a opção é completamente o oposto. O Conto dos Contos lida com o lúdico e o fantasioso, de forma a construir três histórias que dialogam abertamente com o fantástico. Inspirado no livro homônimo, escrito por Giambattista Basile no século XVII, o diretor (e também roteirista, ao lado do trio Edoardo AlbinatiUgo Chiti e Massimo Gaudioso) constrói um filme inspirado nos contos de fadas clássicos da forma como eles são originalmente, ou seja, sem medo de sangue e situações sombrias. Esta simples característica já dá ao longa um tom diferente ao de trabalhos habituais no gênero, o que por vezes surpreende pelos rumos que assume. Além disto, há um capricho especial nos aspectos técnicos da produção, como direção de arte, maquiagem e fotografia.

    Este apelo visual é mais nítido logo na primeira história, onde o casal real formado por John C. Reilly e Salma Hayek é colocado diante de um intrigante desafio: para que ela possa engravidar, é necessário que o coração de um monstro marinho seja arrancado e, depois, cozinhado por uma virgem, sem ninguém a acompanhá-la. A sequência que mostra a batalha embaixo d’água é repleta de lirismo e evoca o antigo Viagem ao Centro da Terra – não o do Brendan Fraser, o de 1959 – no sentido de não trazer efeitos especiais requintados. Há um lado fake que ressalta que o filme como um todo não segue as regras que tão bem conhecemos, já que aquela realidade pertence ao universo dos contos de fadas. O mesmo acontece, em menor intensidade, nas demais histórias retratadas.

    Seguindo a linha de filme-coral, O Conto dos Contos intercala suas três histórias ao longo de toda a duração. Se por um lado cada uma delas agrada pelo inusitado e pelos desdobramentos ainda envolvendo o fantástico – e, no caso da trama estrelada por Vincent Cassel, um certo sarcasmo embutido -, por outro este vai-e-vem prejudica o ritmo de cada uma delas. Como não são interligadas, é necessário que o espectador interrompa a experiência com uma delas para tomar conhecimento de um trecho de outra, o que prejudica o filme como um todo. Sem sequências tão interessantes como as da caça ao monstro marinho e do labirinto, visualmente falando, o filme aos poucos perde força.

    Apesar da queda de ritmo na metade final, O Conto dos Contos é um bom filme que traz como grande destaque a rica unidade visual adotada por Matteo Garrone e sua equipe, assim como a bela trilha sonora de Alexandre Desplat, em tom de poesia sombria.

    Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.

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