Bem-vindo ao circo
por Francisco RussoJoe Wright foi uma escolha curiosa para a direção deste novo Peter Pan. (Re)conhecido por dramas de época de estilo clássico, como Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito, ele apresentou uma mudança na carreira em sua versão de Anna Karenina, graças a um apurado e muito bem executado design de produção que encheu os olhos dos espectadores – e ainda rendeu uma indicação ao Oscar. Percebendo o talento do diretor no desenvolvimento de um mundo repleto de imaginação, os executivos da Warner foram atrás dele para capitanear mais uma proposta de franquia: o prelúdio de Peter Pan. Wright topou, mesmo sem jamais ter dirigido um blockbuster. Ao assistir o primeiro filme de uma esperada trilogia, pode-se perceber que ele sabia muito bem aonde estava se metendo.
Com a mítica Terra do Nunca em mãos, Wright não se limitou a simplesmente replicar conceitos e ideias já vistos tanto no livro de J.M. Barrie quanto nas incontáveis versões feitas para o cinema. Por mais que estejam lá elementos como o crocodilo Tic-tac, as sereias e as fadas, todos foram recriados de forma que sejam reconhecidos mas não sejam exatamente iguais à figura presente no imaginário coletivo. Mais do que isso: Wright sabe bem que sua função primordial, neste filme, é entreter o espectador. E é isto que ele faz, tanto com quem está na poltrona quanto no próprio filme, através da brilhante analogia a la Moulin Rouge da canção “Smells Like Teen Spirit”. Sim, há Nirvana nesta aventura fantasiosa.
Com domínio absoluto do material que tem em mãos, o diretor solta a imaginação em sequências surpreendentes e visuais extravagantes. É no Cirque du Soleil que busca inspiração para a cena do rapto de Peter e demais órfãos pelos piratas, assim como os grandes shows de rock inspiram a apoteótica entrada do capitão Barba Negra. Hugh Jackman, seu intérprete, age como um verdadeiro popstar, usando e abusando de gestos expansivos para reger o público, histérico e eufórico pelo circo oferecido.
Como um verdadeiro carnavalesco, Wright habilmente divide Peter Pan em camadas que se transformam ao longo do desfile nas telonas. São várias as técnicas exploradas, desde a fotografia cinzenta para retratar a Londres da Segunda Guerra Mundial à animação que serve para contar a história pregressa da mãe de Peter. A ação ganha espaço na empolgante – e surreal - perseguição do navio voador pirata por caças britânicos e também na fuga dos ainda amigos Peter e Gancho, com direito à queda livre de um teleférico amplificada pelo 3D. Este, por sinal, é outra característica relevante de Peter Pan: o bom uso do 3D, com sequências inteiras pensadas e rodadas de forma a explorar a sensação de profundidade que o efeito oferece. O melhor exemplo é o momento em que Hugh Jackman saca um bastão rumo ao público, que ainda pode acompanhar a queda vertiginosa de uma bomba.
Além de oferecer um visual deslumbrante e extremamente criativo, Peter Pan ainda traz uma história que diverte. Por mais que haja deslizes como o uso da batida ideia de associar o personagem-título à imagem do escolhido – “the one”, em inglês -, as desventuras do jovem garoto neste mundo ainda desconhecido convencem. Especialmente a parceria formada com James Gancho, interpretado com um quê de Indiana Jones por um galanteador Garrett Hedlund, que brilha ainda no divertido sotaque (sulista?) criado para o personagem. O bom e velho Barrica – Smee, no original – é o alívio cômico clássico, bem interpretado por Adeel Akhtar, e Rooney Mara, se não brilha, traz ao filme um colorido de figurino que agrega à paisagem multicores do longa-metragem.
Por mais que tenha problemas de roteiro na reta final, especialmente no desfecho de Barba Negra, e possua uma fotografia bastante escura durante boa parte da duração – sensação ampliada pelo uso do óculos 3D -, Peter Pan é um filme que impressiona principalmente pela proposta estética e pelo domínio demonstrado pelo diretor ao construir este mundo de fantasia tão envolvente e tão ousado. Prova do talento de Joe Wright e também do quanto compreende a posição deste filme dentre da indústria cultural hollywoodiana. Muito bom.