Cinema da ostentação
por Bruno CarmeloÉ muito curioso que este filme chinês, o segundo de uma trilogia muito famosa em seu país, tenha sido selecionado na competição oficial do festival de Berlim. O evento alemão, conhecido como um dos mais politizados do mundo, permitiu a entrada deste blockbuster insano, não muito diferente da maioria de comédias populares que fazem sucesso em todos os mercados nacionais, mas com muitos milhões de dólares a mais no orçamento.
Gone With the Bullets divulgou uma sinopse oficial, sobre um grupo de gângsteres que tentam lavar dinheiro através de um concurso internacional de misses. Mas ganha um prêmio quem conseguir identificar todas as motivações dos personagens, além de causas e consequências de cada ação. A narrativa propõe uma sucessão alucinante de cenas fantásticas, coloridas e sem muito sentido: dois homens dançando dentro de bolhas gigantes, uma lua que se destaca do céu e entrega um coelho para um casal apaixonado, macacos saindo de dentro de robôs… A poesia deste filme mais parece uma viagem provocada por alguma droga alucinógena.
O conjunto poderia funcionar bem, se soubesse dosar a fantasia com momentos de ritmo mais calmo. Mas o diretor e ator principal Jiang Wen não deixa a história respirar um segundo sequer, tornando esse excesso, finalmente, muito monótono, por não trazer nenhuma evolução ao longo de 120 minutos. São tantos movimentos de câmera, tantos cortes, tantos gritos e choros dos personagens, tantas cores e tantos cenários, que esta história faz Baz Luhrmann (Moulin Rouge) e Rob Marshall (Chicago) parecem diretores neorrealistas.
O resultado é um cinema da ostentação, que tenta aproveitar a noção de “espetáculo” de modo caricatural, mas sem um discurso irônico ou crítico. Gone With the Bullets segue a lógica de que “mais é melhor”, até saturar a noção do entretenimento. Não é por acaso que tantas pessoas não suportaram a projeção e abandonaram a longa história antes do final - que abre espaço para um terceiro filme, diga-se de passagem.
Seria tentador reduzir o filme ao sintoma de uma China capitalista, em rápido crescimento, copiando de modo grotesco as grandes produções de Hollywood. Mas da mesma China também saem obras reflexivas, comedidas, e comédias de bom desenvolvimento técnico. Este filme é apenas uma sessão torturante criada por um cineasta deslumbrado, disposto a sacrificar a coerência e o ritmo de sua história em nome do espetáculo a qualquer preço.
Filme visto no 65º festival de Berlim, em fevereiro de 2015.