Sozinho ou não, eis a questão
por Francisco RussoO sucesso de Jogos Vorazes fez com que Hollywood produzisse uma verdadeira enxurrada de filmes envolvendo futuros distópicos, todos com potencial de se tornar franquias bem rentáveis. Uns deram certo (Divergente, Maze Runner), outros não (Ender's Game, O Doador de Memórias). Diante deste súbito interesse comercial, o diretor grego Yorgos Lanthimos teve uma ideia inusitada: e se o tema fosse aproveitado para analisar, de forma ácida, os relacionamentos humanos? Assim nasceu The Lobster, exibido em primeira mão no Festival de Cannes 2015.
A história é pra lá de bizarra: no futuro, as pessoas são proibidas de viverem sozinhas. Caso se tornem solteiras, são logo encaminhadas a um hotel especial. Lá podem permanecer por até 45 dias e, neste período, são incentivadas de todo tipo a encontrar um novo parceiro para toda a vida entre os próprios hóspedes. Caso não consiga, é transformada em um animal – qualquer animal – que a própria pessoa escolhe e, a partir de então, vive solta na natureza.
A lagosta do título original é o animal escolhido por Colin Farrell, que acaba de chegar ao hotel. O ator surge fora de forma, com uma bela barriga e um semblante sempre desanimado, decorrente da recente separação. É a partir de sua experiência no lugar que o público tem a chance de conhecer as peculiaridades de seu funcionamento, a começar pelo questionário repleto de sarcasmo. Assim também é todo o filme, cheio de situações absurdas que, por mais que surpreendam, possuem uma certa lógica dentro deste universo todo regrado e, às vezes, politicamente incorreto. É neste ponto específico que brilha o trabalho de Lanthimos e Efthymis Filippou, a dupla de roteiristas que criou este mundo estranho e também muito criativo.
Entretanto, mais do que simplesmente divertir – o que consegue principalmente no primeiro terço -, The Lobster aborda com propriedade a questão do livre arbítrio nos relacionamentos amorosos. É interessante notar que, por mais que haja várias atividades de incentivo entre os hóspedes do hotel, todas soam bastante artificiais. Mesmo os novos casais jamais aparentam uma normalidade, até mesmo pelas condições em que foram formados. Há no filme uma exaltação à artificialidade que se contrapõe à punição da naturalidade, não propriamente pela possibilidade de cada um escolher com quem quer viver mas simplesmente porque, ao controlar os sentimentos, corre-se menos riscos. E isto, em um futuro onde tudo é controlado, é algo bastante interessante.
Apesar de toda a sua criatividade e acidez, The Lobster sofre uma queda de ritmo no segundo ato, quando o personagem de Farrell precisa mudar de ambiente. Apenas quando Rachel Weisz enfim deixa a narração em off para assumir um papel diante da tela é que o filme, mais uma vez, ganha fôlego. Apesar desta instabilidade, trata-se de um filme que merece ser visto pelo seu humor seco e direto, que em vários momentos traz paralelos com a nossa vida de todo dia.
Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.