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    Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

    Romance de formação

    por Bruno Carmelo

    Em Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, o diretor e roteirista Daniel Ribeiro desenvolve uma ideia interessante, aplicando a uma história universal (a descoberta do primeiro amor) características particulares: a homossexualidade e a deficiência física. Este já era o caso do curta-metragem Eu Não Quero Voltar Sozinho, também de Ribeiro, no qual os mesmos personagens enfrentavam o medo do primeiro beijo. No longa, o debate se amplia para o amor em geral e para as perspectivas de independência do adolescente em crise.

    Ironicamente, o duplo tabu do protagonista (gay e cego) funciona como astuciosa ferramenta narrativa: Leonardo (Ghilherme Lobo) não é visto como arquétipo social, como "o garoto cego" ou "o garoto gay". Ele não é um símbolo único de uma dessas duas comunidades. As dificuldades enfrentadas por Leo são usadas como metáforas para os conflitos de qualquer jovem, que também pode se sentir diferente por ser ruivo, obeso, órfão, disléxico ou simplesmente tímido, ruim em esportes etc. Este é um dos grandes méritos do filme: tratar as particularidades do protagonista como trataria as especificidades físicas e de temperamento de qualquer adolescente.

    Sem pretensões militantes (com exceção da cena final), o roteiro evita instrumentalizar as particularidades de Leonardo. Quando vemos o dia a dia do personagem, ele já está devidamente inserido na sociedade, estudando em uma escola para adolescentes sem deficiência, indo e voltando para casa com a amiga Giovana (Tess Amorim). Não existe o baque da chegada do garoto cego à escola, nem a descoberta do próprio Leonardo de seu desejo por homens. O roteiro de Ribeiro ultrapassa os típicos relatos cinematográficos de autodescoberta para saltar ao próximo passo: a autoafirmação.

    Hoje Eu Quero Voltar Sozinho trabalha os conflitos da trama de maneira leve, terna. Os momentos pontuais de bullying praticados por um grupo de colegas não deixam grandes marcas em Leonardo; as brigas com os pais se dissipam em minutos; as disputas com Giovana apresentam uma evidente perspectiva de reconciliação. O universo não é hostil às minorias, pelo contrário: o garoto Gabriel (Fabio Audi), paixão de Leonardo, aparece logo na primeira cena, senta-se convenientemente atrás dele, e quando Gi perde seu grande amor, um aluno novo entra pela porta da sala de aula e sorri para ela. Este roteiro é romântico, até ingênuo, em sua preocupação zelosa e paterna de garantir a todo personagem sua devida cota de amor.

    Tamanho afeto é transmitido igualmente à estética do filme. A fotografia é doce e homogênea (usando o desfoque da imagem para representar a falta de visão de Leonardo), o som direto evita ruídos em quartos e salas de aula, a trilha é singela, nunca ostensiva. Por isso, tudo é excessivamente acadêmico: uma pessoa sempre espera a outra concluir sua frase para começar a falar, as cenas iniciam quando um personagem está prestes a dizer alguma frase. Os enquadramentos seguem a lógica de plano e contra-plano. Nenhuma cena pretende se destacar ou chocar - aliás, fica o aviso para aqueles que se sentiram ofendidos com o beijo gay da novela: dificilmente vão encontrar cena mais natural do que o primeiro selinho entre dois garotos.

    Talvez espectadores mais engajados na representação das minorias fiquem pouco satisfeitos com essa visão romântica do funcionamento social. Estamos em um imaginário branco, urbano, de classe média alta, no qual adolescentes em crise não pensam em fugir de casa ou se vingar dos pais, apenas fazer uma viagem de intercâmbio - financiada pelos próprios pais. O desejo sexual também é retratado de maneira pudica, com a edição interrompendo a cena no instante preciso em que se sugere uma masturbação ou ereção. Mas não seria justo exigir de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho algo que ele não pretende mostrar. Este não é um filme sociológico ou psicológico, e sim um retrato intimista de tendência universal.

    Por fim, o tom deste romance de formação é de ternura e cumplicidade. Muitos romances gays são pejorativamente chamados de "delicados", mas aqui o termo se aplica sem conotações negativas. O filme é certamente simples em suas pretensões artísticas, mas consegue fazer um belo tratado de afetos, sejam eles entre dois garotos, entre um amigo e sua amiga ou entre os pais e os filhos. Cenas como a conversa de Leonardo com sua avó (Selma Egrei, excelente) a respeito de relacionamentos mostram o talento do diretor para retratar um amor natural e otimista.  

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