A imigração vista de dentro
por Francisco RussoA abertura de Samba empolga: um plano-sequência de alguns minutos que tem início em uma festa animada e, caminhando pelos corredores, chega até uma silenciosa cozinha, onde um homem solitário lava pratos. O contraste entre estes dois mundos deixa bem claro que Samba, na verdade, quer falar sobre este hiato que existe entre eles. O que tal cena não revela, ao menos não de imediato, é que o interesse maior não é abordar as diferenças entre classes sociais, mas sim como a sociedade francesa lida com a imigração. Afinal de contas, este homem que trabalha só na cozinha é Samba, um imigrante do Senegal que, apesar de morar na França há quase 10 anos, permanece ilegal no país. Mas não se engane: a ilegalidade é apenas em relação à ausência de documentos, já que os trabalhos por ele realizados poderiam ser feitos por qualquer pessoa.
Após o sucesso Intocáveis, os diretores Eric Toledano e Olivier Nakache voltam a se reunir com o ator Omar Sy para realizar este drama social que aborda a vida do imigrante já dentro do novo país, tendo que lidar diariamente com o risco de ser pego e, também por isto, sendo explorado pelos patrões por não estar com os documentos em dia. Se por um lado os diretores demonstram que fizeram o dever de casa ao esmiuçar como funciona o serviço francês de atendimento ao imigrante, apresentado de forma realista a partir do início de relacionamento entre Samba e Alice, personagem de Charlotte Gainsbourg, por outro o filme apenas encontra algum brilho quando ressalta o quanto a cultura local do imigrante precisa ser suprimida para que este possa ser aceito pela sociedade do país em questão. Esta negação implícita da diversidade é o ônus pago para que se possa levar uma vida como fantasma, sem despertar a atenção de qualquer autoridade ou até mesmo de cidadãos comuns que, incomodados, possam denunciá-lo. Retrato do mundo atual, onde o diferente nem sempre é bem recebido.
Diante desta realidade, não é de espantar que os diretores tenham optado por uma trilha sonora melancólica na primeira metade do filme. Ou melhor, até a primeira metade. É curioso reparar que, como num surto, Samba muda radicalmente de tom em sua reta final. Mesmo sem jamais deixar de lado o drama social, o filme envereda rumo à comédia romântica tendo como artífice principal o personagem coadjuvante interpretado por Tahar Rahim, um “falso brasileiro” animado e repleto de sacadas espirituosas. É ele o alívio cômico do filme e, por mais que divirta na cena em que dança para um escritório repleto de mulheres em pleno andaime, faz também com que o longa desvirtue um bocado de seu foco original. Também pelo fato de que Tahar tenta agir como cupido, no cada vez mais anunciado romance entre os personagens de Sy e Gainsbourg, a trilha sonora segue o tom da mudança: as canções instrumentais melancólicas cedem espaço para músicas suaves e animadas de Gilberto Gil, Jorge Ben Jor e até mesmo Bob Marley!
Em meio a tamanha disparidade, Samba acaba se tornando um filme menor do que insinuava a princípio. Por mais que seja agradável e traga mensagens de cunho social, a valorização do lado cômico e os clichês inevitáveis que carrega consigo fazem com que o tema central, sobre a imigração, perca relevância. Ainda assim, é importante ressaltar o bom trabalho feito por Omar Sy, especialmente através do olhar tranquilo e até ingênuo, que tão bem caracteriza seu personagem.
Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2015.