Pobres apaixonados
por Bruno CarmeloNas comédias românticas, é comum ver tanto homens quanto mulheres se apaixonando perdidamente. Mesmo assim, o sentimento amoroso ainda é associado ao universo feminino, como sinal de fragilidade – reforçando o ideal de pureza que se espera das pessoas ingênuas. Essa lógica machista é abandonada em Dois Amigos, filme sobre dois homens patéticos e frágeis, tendo que lidar com um universo de mulheres fortes e determinadas.
Na trama, o depressivo Clément (Vincent Macaigne) se apaixona por Mona (Golshifteh Farahani), uma presidiária que beneficia de regime semiaberto no final de sua sentença. Depois de um rápido envolvimento, a mulher recusa os flertes de Clément, levando-o ao desespero. Ele recorre então à ajuda de Abel (Louis Garrel), um frentista de pensamento pragmático: se o amigo quer a mulher para si, por que não a rapta para si?
O trio principal é formado por personagens pobres, sem outros amigos, sem familiares, nem planos de futuro. São três elétrons livres pela cidade, que se atraem por falta de opções, nutrindo uma relação de dependência física e emocional. O diretor estreante Louis Garrel capta com igual dose de carinho e respeito essas três figuras fracassadas. Na época em que já se abandonaram os personagens que “morrem de amor”, Dois Amigos imagina uma França contemporânea na qual os apaixonados poderiam sim, sucumbir às paixões como quem pega uma doença qualquer.
Assim, o drama romântico resgata o idealismo dos filmes de antigamente, mas com a desilusão social e política do cinema contemporâneo. Clément, Mona e Abel não sonham em fugir, em ter uma vida melhor: o amor representa o único horizonte escapista. Mas o olhar potencialmente trágico é balanceado por um bem-vindo senso de humor, presente em diálogos francos e excelentes sobre a solidão na cidade. O trio de palhaços, como definiu o próprio diretor, tem plena consciência de sua posição marginal, algo que torna a dinâmica ainda mais interessante.
Existem apenas três personagens relevantes em toda a trama, e felizmente, as atuações estão à altura do peso de cada um. Golshifteh Farahani demonstra grande força, tanto nos momentos ternos quanto nos acessos de fúria. Vincent Macaigne compõe um sujeito frágil com convicção comovente em cada diálogo. Garrel, como ator, mantém a expressão carrancuda de sempre, mas zomba de si próprio nos diálogos (“Por que você está sempre de cara feia? Você se acha mais profundo por causa disso?”, pergunta Mona). O trio parece muito confortável no romance, no drama e no humor físico, transitando entre gêneros com fluidez.
Como diretor, Garrel surpreende pelo uso maduro dos enquadramentos e da luz. É comum o uso da câmera acompanhando os personagens nos dramas de cunho social, mas o cineasta alia a mobilidade das imagens à fotografia suave e às imagens poéticas, próximas ao tom de fábula. Com Dois Amigos, o diretor conseguiu criar uma rara história sobre sonhadores realistas, comuns, de carne e osso – prova de que o cinema ainda pode oferecer, nos dias de hoje, romances tão leves quanto profundos.