Sherlock para toda a família
por Bruno CarmeloSherlock Holmes é um personagem que dispensa apresentações. Depois dezenas de livros, filmes, séries, quadrinhos e tantas outras narrativas estrelados pelo ícone britânico, o diretor Bill Condon decidiu que estava na hora de fornecer outro olhar ao personagem. Baseado no livro “A Slight Trick of the Mind”, de Mitch Cullin, ele trouxe ao detetive uma história de amor, de amizade e de respeito ao próximo. Em outras palavras, construiu um filme familiar.
Para retirar o foco do trabalho investigativo, o roteiro imagina Holmes aposentado, aos 93 anos. Ele está fraco, doente e com uma memória fraca. O personagem vive junto de uma governanta viúva (Laura Linney) e seu filho pequeno (Milo Parker), enquanto passa o dia cuidando de um apiário. A história faz um bom trabalho ao ressaltar que o olhar aguçado e o senso de dedução de Holmes (Ian McKellen) continuam impressionantes, embora não sejam mais usados para fins profissionais.
O protagonista é visto principalmente como figura paterna do garoto órfão de cerca de oito anos, que convenientemente se interessa por todas as áreas que também agradam Holmes. Mas para desenvolver sua narrativa, Mr. Holmes faz com que o detetive tente se lembrar de seu último caso, que o traumatizou. Embora os fatos tenham sido resolvidos, as consequências psicológicas deste trabalho (que resultou na morte de uma mulher) levaram Holmes a abandonar a profissão.
O filme passa a alternar cenas do presente com flashbacks deste último caso, evocados por algum objeto remetendo ao passado: uma luva, uma geleia, um perfume... A estrutura do filme é bastante simples, assim como o seu caráter investigativo. Para quem espera mais um caso dificílimo para o personagem, resta a frustração de ver que Holmes desvenda a história sem grande esforço. Embora o caso derradeiro se divida em três casos diferentes (decisão questionável do roteiro, aliás), todos eles são concluídos em um piscar de olhos.
Isso comprova que o foco realmente não está no aspecto policial, e sim no potencial emotivo da trama. O possível melodrama (indicado pela amizade frágil entre uma criança órfã e um gênio moribundo) é atenuado por tiradas constantes de humor sarcástico tipicamente britânico, que tornam a obra agradável, embora levemente monótona. Mr. Holmes pretende ser um filme inofensivo, palatável para todos os públicos, e por isso abre mão de aspectos mais sombrios que seriam pertinentes à psicologia de um homem traumatizado, que nunca experimentou paixões amorosas, guarda rancor do melhor amigo Watson e alimenta uma crescente misantropia.
Pelo menos Mr. Holmes cumpre o papel de ser uma produção comercial e popular, que deve conquistar um sucesso considerável junto ao público, além de poder conquistar alguns prêmios a seus atores. Ian McKellen, como Holmes, constrói uma evolução notável para o personagem entre o passado e o presente, dominando muito bem os instantes cômicos. Laura Linney, em um papel amargo que lhe cai bem, também pode chamar a atenção das premiações.
Filme visto no 65º festival de Berlim, em fevereiro de 2015.