Momento de renovação
por Francisco RussoHá momentos na vida em que se fica mais pensativo, em uma espécie de análise sobre o que aconteceu consigo até aquele instante e as possibilidades projetadas pelo futuro. Em muitos casos isto vem à tona quando acontece um grande baque, daqueles que fazem com que o chão até então firme se desmorone. Para Téo, personagem interpretado por Marco Ricca em Os Amigos, esta reflexão vem quando seu melhor amigo de infância morre. Em meio às lembranças saudosistas do passado, quando ambos dividiam as brincadeiras e as aflições decorrentes dos problemas de família, surge também a culpa pelo afastamento na fase adulta. O fato de estar sozinho já há algum tempo é outro catalisador importante, despertando em Téo questionamentos sobre se a solidão é uma sina a qual ele precisa se acostumar.
Por todas estas características, existe em Os Amigos uma certa tristeza pairando no ar, o que não significa que o filme seja também triste. Muito pelo contrário. Há uma leveza impressionante na narrativa implementada pela diretora Lina Chamie, seja pelas diversas sequências estreladas por crianças – que aparecem ocasionalmente, em participações que lembram muito o coro grego de Poderosa Afrodite – ou pelos diálogos espirituosos, que permeiam todo o filme. Além disto, a diretora por vezes brinca com a própria narrativa, como quando simplesmente escurece a tela para fazer um convite ao público. Inusitado e simpático.
Diante desta proposta reflexiva, Os Amigos é um filme cujo enfoque busca muito mais o lado emocional dos personagens do que propriamente ter uma história a contar. É por isso que certos atores, como Caio Blat, Alice Braga, Rodrigo Lombardi e Fernando Alves Pinto, simplesmente passam pela trama sem grande desenvolvimento. Cada um deles é coadjuvante na vida de Téo, por isso não recebem tanto destaque – na verdade a participação deles em alguns casos se resume a apenas duas cenas. Por outro lado, a amiga de toda hora Majú (Dira Paes) é uma figura onipresente, seja fisicamente ou em pensamento, pelo mesmo motivo.
Os Amigos é um filme bastante humano, que oferece ao espectador soluções criativas para contar uma história que surpreende. É bem verdade que por vezes Lina Chamie apela a clichês mais do que conhecidos para cativar o público, como nas sequências com um cachorro e as várias brincadeiras com os filhos de Majú, mas elas funcionam tão bem dentro deste clima de autorreflexão que aos poucos mostra que a vida vale sim a pena que são até mesmo perdoáveis. Além disto, Os Amigos possui duas sequências memoráveis: a antológica conversa de Téo com um garoto em plena loja de brinquedos, sobre super-heróis – daqueles papos que deixam qualquer nerd em êxtase – e a dura cena da expulsão de Cassiano, onde Giulio Lopes brilha intensamente. Muito bom.
Filme visto no 41º Festival de Gramado, em agosto de 2013.