O cinema na era do "selfie"
por Bruno CarmeloDesde as primeiras cenas, percebe-se que A Bruta Flor do Querer é um projeto de baixíssimo orçamento, feito entre amigos. Ao invés de ignorar ou lamentar a falta de recursos, os diretores Dida Andrade e Andradina Azevedo fazem da escassez o trunfo do filme. A dupla ostenta a precariedade como uma escolha estética, oferecendo um cinema “cool”, descolado, que não se importa com o mercado nem precisa de uma grande estrutura para existir.
Enquanto o pressuposto inicial sugere um olhar político à arte, o tema ameaça enveredar pela análise geracional. A crise de produção também é uma crise dos protagonistas, que refletem sobre as precárias ofertas de emprego para os jovens, a solidão nas cidades grandes, a constante sensação de vazio. A família, a religião e demais instituições coletivas estão convenientemente ausentes deste retrato obcecado pela figura do indivíduo.
O suposto retrato da juventude desaba diante das escolhas estéticas. O drama está repleto de imagens em tons e estilos incompatíveis, com fotografias desiguais. Enquanto a captação de som recebe um trabalho deficiente, a trilha musical ora aparece em demasia, ora desaparece, e o retrato ultra realista cede espaço a devaneios performáticos artificiais (a garota falando em alemão). Para completar a mistura, a trama é costurada por uma divisão frouxa em capítulos, que pouco acrescentam ao ritmo ou ao comentário social.
Pior do que a indecisão imagética é o discurso veiculado pelo filme. Quando os dois personagens principais (interpretados pelos próprios cineastas) discutem sobre a vida, o amor e a profissão, entram em cena diálogos de uma vacuidade assombrosa, espécie de exercício retórica pontuado por gírias paulistas (“tipo”, “sacou”, “velho”, “tá ligado”, “irado”). É difícil extrair alguma reflexão interessante das evocações pseudo filosóficas da dupla, sobretudo diante da atuação-performance maneirista de Dida Andrade.
Não seria absurdo associar o olhar inconsequente dos personagens à reafirmação do machismo - a garota por quem o protagonista se apaixona é vista meramente como objeto de desejo - e das dores da classe média-alta: Diego reclama de más condições financeiras enquanto a câmera se foca no carro, nas drogas caras como a cocaína e nos óculos de sol de grife. Sobre os conflitos existenciais inerentes aos artistas, descobre-se somente duas pessoas incapazes de tomar decisões, apesar de dedicarem todo o seu tempo e todo o tempo do filme a refletirem sobre si próprias.
Com sua estrutura alegremente autocondescendente, A Bruta Flor do Querer busca uma espécie de “cinema verdade”, com cenas de nudez, exposição dos atores em ereção, secreções corporais e metalinguagem, quando os personagens dialogam diretamente com o público. Neste momento, o personagem Diego deixa de ser um alter-ego para se assumir como o próprio diretor Dida Andrade. Mas existia uma diferença entre eles?
Por fim, o projeto lembra um presente que os autores oferecem a si mesmos. Quando os diretores e roteiristas decidem também atuar, colocando seus rostos e corpos em tela durante 80% das cenas, citando a própria faculdade onde estudaram e refletindo sobre a dificuldade de fazer cinema, é difícil não pensar no olhar egocêntrico, incapaz de representar o outro, a diferença. É uma pena que a dupla esteja tão dedicada à reiteração de sua vaidade, porque existem, aqui e acolá, algumas imagens bonitas, como a metáfora do primeiro encontro como uma luta de boxe entre duas pessoas.