Monstro é tu
por Francisco RussoPor mais que tenha apenas quatro filmes no currículo, já é possível notar qual é o perfil da produtora Laika Entertainment: o tom sombrio em histórias feitas para crianças. Assim foi feito em A Noiva-Cadáver, Coraline e o Mundo Secreto, ParaNorman e também em Os Boxtrolls, nova investida do estúdio que ainda tenta se firmar entre os gigantes da animação em Hollywood – leia-se Pixar, DreamWorks, Blue Sky e Aardman. Um caminho que, curiosamente, tem agradado mais o público adulto do que propriamente o infantil.
Baseado no livro “Here Be Monsters!’, de Alan Snow, Os Boxtrolls acompanha a saga das simpáticas criaturas que vivem nos esgotos da cidade de Ponte Queijo. Eles vestem caixotes típicos de supermercado e adotam como nome as palavras que estão escritas na própria embalagem que usam, adoram vermes e seres gosmentos e têm por hábito vasculhar o lixo dos humanos madrugada adentro. Não espere explicações sobre a existência destes seres, pois o filme não as fornece – talvez em uma sequência? Fato é que os humanos, assustados como eles só, morrem de medo dos boxtrolls e se trancafiam em casa tão logo ouvem algum barulho estranho. Todos menos Archibald Snatcher, que deseja capturá-los. Todos.
É neste contexto que está o patinho feio chamado Ovo. Um garoto comum, criado desde bebê pelos boxtrolls, que se considera um deles por mais que seja bem diferente. Quando seu tutor Peixe é capturado por Snatcher, ele decide se arriscar na superfície durante o dia para salvá-lo. É quando conhece a mimada Winnie, que resolve ajudá-lo nem que seja para convencê-lo de que é tão humano quanto ela. Só que tem um detalhe: Winnie vive em plena aristocracia, com todo o requinte e trejeitos típicos de tal ambiente. É claro que, vindo do esgoto, Ovo enfrenta problemas ao lidar com este tipo de gente.
A bem da verdade, Os Boxtrolls parte de uma premissa muito parecida com a de A Noiva-Cadáver: se no filme de Tim Burton os mortos eram mais vivos do que as pessoas que ainda não tinham falecido, aqui os “monstruosos” boxtrolls são muito mais amáveis do que os humanos, que assumem posturas típicas de monstros ao valorizar gestuais e caprichos em detrimento das pessoas. A diferença é que o universo contraditório divertido e rico em criatividade não se repete neste novo filme, cujas analogias em certos casos são mais indicadas a um público um pouco mais adulto, capaz de identificar questões relacionadas às diferenças nas classes sociais. Além disto, Os Boxtrolls é um filme bastante escuro e, em certos momentos, sombrio – o que também pode afastar os menores.
Apesar dos percalços, ainda assim trata-se de um filme interessante e que diverte. Especialmente o vilão dublado por Ben Kingsley, com sua característica voz imponente, que apresenta uma faceta inusitada. Fora o fato de que a animação em massinha (ou stop motion, como é chamada oficialmente) traz um charme todo especial, não apenas pela qualidade da animação mas pela própria dificuldade em produzi-la. Algo que pode ser conferido nos pós-créditos do próprio filme, com a exibição de um interessante making of sobre a cidade de Ponte Queijo. Vale a pena aguardar.