Quero ser David Lynch
por Bruno CarmeloGraupel Poetry (algo como “poesia do floco de neve”, em tradução literal) começa como um drama realista: um casal gay acorda durante a noite, por causa dos pesadelos de um deles. O rapaz se levanta e pega um remédio, enquanto a câmera imóvel mostra a aspirina sendo dissolvida na água, durante cerca de dois minutos. O rosto do personagem está cortado pelo enquadramento. Parece que estamos no território comum do cinema de autor, com planos lentos, contemplativos, luzes naturais e cenas banais do cotidiano.
Mas logo o filme toma rumos inesperados. A imagem começa a tremer, como se existisse uma interferência magnética (alguns espectadores chiaram na sala, acreditando em um erro de projeção), o personagem passa a ter sonhos em que é perseguido. Os dois homens entram em um estranho bar silencioso, com uma diva estranha ao meio (imagem ao lado), que sufoca uma cliente do bar com o simples poder do olhar.
O diretor já tinha avisado, e mesmo incluído na sinopse oficial de seu filme, que Graupel Poetry era inspirado em David Lynch. No entanto, mais do que uma inspiração, esta obra lembra uma cópia de baixíssimo orçamento de Cidade dos Sonhos. Todos os elementos e metáforas estão presentes: as caixas e cores simbólicas, os personagens que trocam de papel a certa altura da narrativa, assassinato misterioso e mesmo o famoso Clube Silêncio, em versão chinesa, com lanternas de dragões na entrada, planos fechados e muito gelo seco para encobrir o fato de que o local não tem uma direção de arte tão caprichada quanto no filme de Lynch.
Mas é justamente aí que se encontra o grande problema da obra chinesa: ela tenta resumir sua referência, sua paixão pelos filmes sombrios e eróticos, ao jogo nonsense e à narrativa fragmentada. David Lynch não se tornou famoso e respeitado apenas pela atmosfera sugestiva de suas tramas, e sim por um complexo uso de sons distorcidos, direção de arte onírica, enquadramentos precisos e referências metalinguísticas. Graupel Poetry, sem os recursos nem a reflexão necessários, passa apenas por uma história confusa, muito mal agenciada.
Assim, não se sabe qual dos personagens (ambos trabalham como atores) é de fato convidado para o filme de sucesso, se Ming conhece ou não a garota assassinada, se Ming e Leung são de fato irmãos ou não. Cada cena aparece para negar o sentido da cena precedente. Os espectadores do Rio Festival Gay de Cinema 2013 saíram confusos da sala, perguntando se tinham de fato entendido o que aconteceu. Ninguém possuía uma resposta milagrosa que conferisse coerência ao conjunto.
De qualquer modo, essa não parecia ser a intenção do diretor Bruce X. Saxway, que queria confundir, perturbar os sentidos, e nesse sentido teve sucesso. Talvez ele esteja contente com o resultado. Mas com seu prazer malicioso e auto congratulatório, o diretor se esqueceu de dizer algo sobre seu tema, esqueceu que o público também pode querer desfrutar da história – e não apenas ser manipulado em um jogo de faz de conta.