Frio e tocante
por Roberto CunhaExibido no Festival de Cannes 2013 no mesmo dia em que o interessante Jovem e Bela, Um Toque de Pecado pegou muita gente de surpresa, com suas cenas fortes e severa crítica a China dos dias atuais, o que por si só já revela uma ousadia por parte do filme que vem de lá.
Dividido em quatro histórias que chegam a resvalar uma na outra, a trama revela o destino de quatro pessoas, quando levadas a uma situação limite. Em uma delas, um minerador obcecado pelos ideais de igualdade, acaba matando friamente várias pessoas de seu convívio profissional. Em outra, um homem que aparenta não fixar residência, embora tenha família, tem seu faturamento diretamente ligado aos assaltos que comete. Diferente da situação de uma mulher, que transtornada pela rejeição do amante, acaba reagindo de maneira violenta ao assédio igualmente violento de um cliente no local de trabalho. No quarto "conto", um jovem mostra dificuldades de se fixar em um emprego e ao se apaixonar por uma prostituta, acaba tomando uma medida drástica.
Extraída de casos verdadeiros do noticiário, no melhor estilo Nelson Rodrigues, a trama escancara as mazelas de uma sociedade comunista corroída pelo capital. Como mostra o conselho individualista de uma mulher para o minerador serial killer, "Pare de se preocupar com os outros e viva a sua vida", ou a reação de outra, diante de um gordo maço de notas esfregado e arremessado na face: "O dinheiro não é tudo". Assim, temas como corrupção (no povo e Governo), prostituição, suicídio, e a violência gratuita, são alguns dos ingredientes nada agradáveis dessa produção com impacto visual e, ao mesmo tempo, sequências muito cruas, flertando com o cinema trash.
Sob essa ótica, periga ser mal recebido por conta desses momentos mais sangrentos, alguns marcantes, envolvendo animais. O humor negro e a ironia também marcam presença, como revela o nome de um conjunto habitacional: Prosperidade. De ritmo mais lento e com maior duração (130 minutos), esse longa foi escrito, produzido e dirigido por Jia Zhang Ke, cineasta com cerca de 30 prêmios nas prateleiras. Premiado em Cannes, Um Toque de Pecado pode ser visto como um legítimo tapa na cara de uma China, que ainda sofre com o eterno conflito entre o socialismo e o capitalismo. E a sequência final de uma ópera de rua deixa no ar a pergunta que não quer calar: Você entendeu seu pecado?"