Tempo de escolher
por Roberto CunhaA falta de tempo ou as dificuldades que as pessoas criam para que ele se torne - cada vez mais - escasso, traz consequências terríveis, ainda mais quando o sinal de alerta é silencioso e vem dos pequenos. Pais & Filhos pega um tema polêmico como pano de fundo, para bater na tecla de que alguns adultos, pressionados pelo sistema, se anulam na competitividade do mundo moderno e esquecem que o dinheiro não é tudo. Mas aqui isso não é apenas uma frase batida, é uma porrada com luva de pelica.
Executivo bem sucedido, Ryota (Masaharu Fukuyama) trabalha no ramo imobiliário e é um perfeito exemplar do workaholic do mundo capitalista. Sua relação com o filho Keita (Keita Ninomiya) se revela rígida e focada no "treinamento" para que o pequenino seja o melhor na escola e nas atividades paralelas que realiza, mesmo que a criança não aparente alegria. Uma transformação radical, porém, se inicia quando chega até eles a notícia de que o menino é filho de outra família, também vítima da troca de bebês na maternidade. Agora, seis anos depois, quatro adultos e duas crianças precisam aprender uma nova realidade cheia de contrastes. É hora de recomeçar, aceitar e, principalmente, compreender.
Com o claro objetivo de evidenciar estas vidas distintas - agora cruzadas - o roteiro vai semeando uma série de situações de puro antagonismo entre os pais, tanto do lado financeiro, quanto no amoroso. Mesmo correndo o risco de parecer melodramático demais para alguns, o cinesta Hirokazu Koreeda não titubeou em carregar nas tintas para envolver ao máximo o espectador, a ponto de deixar ele em dúvida sobre o que seria certo ou errado, diante de uma situação como essa. Afinal, o que é melhor? Ter conforto e um futuro garantido pelo dinheiro, ou ser confortado e enriquecer a alma com o amor verdadeiro? A dúvida parece ter surtido efeito na audiência, profissional e popular, como revelam alguns prêmios conquistados, como os dois no Festival de Cannes 2013 (Júri Oficial e Ecumênico) e de Melhor Filme na Mostra SP 2013 (Voto Popular).
Parte da força do filme está na coesão do elenco, desconhecido do grande público por aqui e capitaneado por Fukuyama, cantor pop de muito sucesso no Japão. Mas o show, acredite, é mesmo das duas crianças, que com sua naturalidade seduzem o pessoal da poltrona, através de inquietações comuns como um simples (e universal) "Por que?", repetido diversas vezes. Com diálogos tocantes, a sensibilidade aflora em vários momentos como aquele em que a mãe revela se sentir traidora do filho "anterior", por começar a gostar do atual (verdadeiro). O mesmo pode-se dizer das fotos encontradas pelo pai, tiradas pelo filho, onde ele está sempre dormindo. Mais lento e longo do que poderia ser, Pais & Filhos cumpre seu papel de fazer o homem refletir sobre seus valores e uma moeda, inexistente na maior e mais completa das coleções: o tempo.