Acima das Nuvens: Crítica AdoroCinema

"Cada personagem é o fascínio / E não há quem possa explicar / A mágica do mágico na minha alma de atriz / Há de transformar / A pérola dos olhos ilumina o que eu for / Onde quer que eu vá / E cada personagem é a menina que eu fui / E a que virá", diz Oswaldo Montenegro na bela O País das Atrizes. Já Chico Buarque, em sua As Atrizes, destaca: "Com tantos filmes / Na minha mente / É natural que toda atriz / Presentemente represente / Muito para mim." A figura da atriz sempre atraiu certo fascínio e curiosidade, mais até do que a do ator.

O cinema sempre se interessou pela figura da atriz, que rendeu filmes como Crepúsculo dos Deuses, A Malvada e Cidades dos Sonhos. Agora, chegou a vez do cultuado diretor Olivier Assayas (Carlos e Depois de Maio) explorar o tema. Com a ajuda de um trio de atrizes em performances extraordinários (Juliette Binoche, Kristen Stewart e Chloë Grace Moretz), o diretor traz a história de Maria Enders, uma atriz veterana (Binoche) que é convidada para uma nova montagem da peça que a fez famosa. A diferença é que agora ela irá interpretar a personagem mais velha, enquanto que a jovem estrela de Hollywood Jo-Ann Ellis (Moretz) assume o papel que consagrou a primeira.

Ainda lidando com a perda do mentor (autor da referida peça), Enders acaba aceitando o papel. Para se preparar, ela decide passar um tempo na casa do autor nos Alpes Suíços. Ao lado da assistente (Stewart), ela luta contra a vontade de desistir do projeto.

A dinâmica entre Maria Enders e sua assistente é a melhor coisa do filme, contando com bastante cumplicidade, fraternidade e até certa química sexual. E o motivo para isso está no fato de tanto Binoche quanto Stewart entregarem atuações marcantes. Deixando completamente para trás a fria e avoada Bella Swan de Crepúsculo, Kristen se mostra uma atriz de forte presença em cena, não se deixando diminuir nem mesmo diante da presença de uma atriz como Binoche.

Acima das Nuvens é um filme de atrizes sobre atrizes, estudando motivações, desejos e realidades diferentes a partir de três figuras femininas fortes. O elenco conta ainda com as boas presenças de Lars Eidinger, Johnny Flynn, Angela Winkler e Hanns Zischler, mas é o trio principal que rouba a cena, em especial Binoche e Stewart.

Através da personagem de Chloë Grace Moretz, que está cada vez mais madura, o filme analisa esta Hollywood de culto à celebridade e escandalização da notícia. Ela é o completo oposto da personagem de Binoche, funcionando perfeitamente para assumir a peça dentro do filme.

Trata-se de uma obra complexa que caminha no limiar entre a sedução e a destruição. Uma pedida obrigatória para quem gosta de cinema e teatro.

Filme assistido durante a cobertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2014.