Novas formas de subversão
por Bruno CarmeloA jovem criada Célestine chega a uma nova casa de família. Logo, ela é explorada sexualmente pelo patrão, manipulada e maltratada pela patroa, desprezada pelas colegas de profissão. Em seu passado profissional constam a morte de um patrão em circunstâncias suspeitas, e a recusa de se submeter aos caprichos da elite.
Esta história foi fonte de escândalo no livro original, publicado por Octave Mirbeau em 1900. A trama também deu origem a uma obra pouco conhecida de Jean Renoir, e outra mais famosa, por Luis Buñuel, cujo gosto pelo surrealismo se adequava perfeitamente à crônica dos valores morais da burguesia. Agora, em pleno século XXI, chegou a vez de Benoît Jacquot se apropriar desta mesma história, tentando trazê-la para os tempos modernos.
Hoje, no entanto, cenas de sexo entre patrões e empregados ou insinuações do prazer sexual feminino não chocam (quase) ninguém. Ao invés de buscar novas fontes de escândalo, Jacquot foi mais inteligente e procurou incomodar em um domínio puramente cinematográfico: nos enquadramentos, nos movimentos de câmera, na narrativa. Afinal, como diria Jean-Luc Godard, um travelling é questão de moral...
Journal d’une Femme de Chambre possui uma linguagem estranhíssima, fora de moda: o cineasta opta por aproximações bruscas (os zooms in e zooms out), movimentos de câmera atípicos, quebras bruscas na montagem. Embora a direção de arte e a fotografia adotem um tom clássico, condizente com o que se esperaria de uma obra do século XVIII, os cenários e figurinos são filmados como se estivessem em uma espécie de exercício abertamente cafona, em que o real e o imaginário não se distinguem muito bem – vide as estranhíssimas cenas do consolo, do homem sedutor na estação e do vizinho com seu animal de estimação.
No papel principal, Léa Seydoux se mostra a escolha perfeita para a manipuladora e divertida Célestine. A atriz mistura deboche e piedade, alegria e amargura para criar uma personagem alegremente incoerente, que fala consigo mesma em voz alta, e consegue xingar os patrões diante dos mesmos, sem que eles percebam. É uma pena que Jacquot não adentre com mais força o surrealismo ao qual acena timidamente. Mesmo assim, ele ousa incomodar mais uma vez ao retirar do espectador o clímax anunciado, terminando a obra de modo brusco e pouco condizente com a trama.
Na época em que sangue e sexo se tornaram moeda comum, Jacquot brinca com outros tabus: as convenções imagéticas e nossa relação com as construções narrativas.
Filme visto no 65º festival de Berlim, em fevereiro de 2015.