Uma história de amor
por Francisco RussoPor mais que o tema seja antiquíssimo, o cinema brasileiro nunca foi muito de colocar casais homossexuais na linha de frente do elenco. Seja por questões conservadoras ou temores econômicos, fato é que são poucos os filmes nacionais que acompanham relacionamentos gays mais a fundo, deixando de lado os estereótipos. Diante deste histórico, Flores Raras traz um certo frescor no sentido de romper um certo “tabu invisível”. Entretanto, o novo filme do diretor Bruno Barreto vai além ao trazer uma bela história de amor que conta como pano de fundo um período importante da história brasileira: o golpe militar de 1964 e suas implicações imediatas.
A história gira em torno da arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares e a poetisa americana Elizabeth Bishop, interpretadas com competência por Glória Pires e Miranda Otto, respectivamente. Na verdade, as duas são a alma de Flores Raras e é interessante notar o quão diferente é a atuação de cada uma. Se Glória cria uma Lota decidida e controladora, que não pensa duas vezes ao tomar a iniciativa tanto no trabalho quanto no campo amoroso, Miranda compõe uma personagem tímida e insegura, por vezes antipática mesmo. É neste contraste entre a delicadeza nos gestos de uma e o jeito determinado de outra que o filme constrói boa parte do relacionamento, muito auxiliado pelas atuações e pela coragem das atrizes ao se expor em momentos mais íntimos, sem nudez mas de uma paixão arrebatadora.
Entretanto, em meio à história (verídica) de amor entre Lota e Elizabeth, há um pano de fundo importante que ressalta outro contraste, cultural, que passa desde o modo como uma pessoa trata a outra, em simples encontros ocasionais, até diferentes visões de mundo. O exemplo maior desta situação é o jantar em que Elizabeth demonstra todo seu estranhamento diante da naturalidade com a qual os brasileiros tratavam o golpe militar, que por mais que representasse a “vitória” contra o medo comunista significava também a perda da liberdade, algo gravíssimo para qualquer americano. Ainda neste âmbito, o filme revela um pouco sobre os bastidores do governo Carlos Lacerda e da construção do Aterro do Flamengo, trazendo à tona também um momento histórico importante do Rio de Janeiro.
Por mais que Flores Raras seja um filme bem dirigido e atuado, ele possui um problema logo no início em relação ao ritmo da história. Tudo acontece muito rápido entre Lota e Elizabeth se conhecerem e engatarem um relacionamento, ainda mais levando-se em conta que a arquiteta brasileira morava com outra pessoa há anos, que além disto era uma grande amiga de Elizabeth. A desconstrução deste triângulo amoroso é mal conduzida pelo roteiro, como se o diretor Bruno Barreto não tivesse interesse em se aprofundar nesta passagem de vida do trio. O resultado em cena traz um certo ar de promiscuidade para as protagonistas e faz com que o filme apenas engate de vez após o casal Lota-Elizabeth se estabelecer.
Flores Raras é um bom filme que mostra com competência tanto o aspecto histórico dos anos 1960 no Rio de Janeiro quanto o relacionamento entre duas mulheres tão diferentes quanto Lota e Elizabeth, além de ser (mais) um libelo sobre a naturalidade de um relacionamento homossexual na sociedade. Um detalhe que chama a atenção é a atuação de Glória Pires em língua inglesa, sem sotaque algum e transmitindo com bastante veracidade a emoção de sua personagem.