O charme da burguesia
por Bruno CarmeloPor um lado, este filme brasileiro aspira à aristocracia e à intelectualidade. Seus personagens são pianistas ricos e egocêntricos, musas passionais, mulheres finas e belas, escritores talentosos, músicos em ascensão. Bebe-se vinho, cita-se autores de sucesso, passa-se os dias inteiros em chalés aconchegantes no sul do país. Os letreiros homenageiam Walter Hugo Khouri, enquanto o retrato íntimo de uma burguesia frígida lembra Bergman, Antonioni e outros diretores eruditos, existencialistas, europeus.
Por outro lado, a produção e os diálogos remetem às fitas mais caseiras e amadoras, feitas por meia dúzia de amigos durante um final de semana. A câmera desliza sem saber qual enquadramento compor, a luz do sol torna os personagens brancos como fantasmas, o som parece ter sido captado pela própria câmera, e os diálogos servem principalmente para suprir o baixo orçamento: fala-se em acidentes no passado, em personagens reconhecidos em todo o país, mas a câmera nunca sai do chalé ou dos arredores, porque isso provavelmente custaria caro demais.
Os diálogos, repletos de palavrões articulados com gosto pelos personagens, podem lembrar o cinema marginal, mas Réquiem Para Laura Martin é o oposto das produções de Reichenbach, Tonacci e cia: enquanto estes cineastas buscavam uma estética que representasse os marginais, Luiz Rangel e Paulo Duarte tentam assimilar um certo de cinema de arte “de qualidade”, chique e ostensivo. Esta é a grande falha deste filme: sua produção não é de modo algum adequada à linguagem que propõe. Os diretores embarcaram em uma obra de grandes proporções, como se ignorassem que não dispunham de uma estrutura adequada – e pior, como se o espectador não fosse perceber essa deficiência.
Neste contexto de indefinição, os atores não sabem se agem como num drama intimista ou gritam como num panfleto televisivo, se forçam o traço como em uma paródia ou se levam a sério o tom sepulcral desta história absurda, terrivelmente mal escrita, sobre pseudo sexualidade e pseudo talento artístico. O resultado é constrangedor, como nas cenas em que Cláudia Alencar brinca com bonecas (mas com um contexto freudiano, claro), quando Ana Paula Serpa perde o movimento dos dedos ou quando Anselmo Vasconcellos afirma que uma partitura assinada por ele seria capaz de comprar um restaurante inteiro.
Entenda-se: não existe demérito nenhum em fazer produções caseiras, de baixo orçamento. Alguns dos filmes mais belos dos últimos anos (como Vestígio e Pacific) utilizavam a falta de dinheiro como motor criativo, forçando seus autores a buscarem alternativas criativas para imprimir um olhar apurado e uma reflexão profunda sobre o mundo que nos cerca. Mas Réquiem Para Laura Martin é um cinema que acredita captar a profundidade de Antonioni, o intimismo de Bergman com uma (pequena) câmera e uma (fraca) ideia na cabeça. É muita ingenuidade e muita pretensão para uma obra só.