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    Francisco Brennand
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Francisco Brennand

    O mistério da arte

    por Bruno Carmelo

    Confesso que, quando fui assistir a Francisco Brennand, nunca tinha ouvido falar no artista. E quando saí da sessão, ainda não sabia praticamente nada sobre ele – ainda bem. Ao invés de tentar explicar quem é este homem, como trabalha e o que pensa, o documentário prefere investigar as relações misteriosas que unem o artista à sua arte. O foco é a obra produzida por Brennand, e não a pessoa que a produziu.

    Como a escultura é uma arte da matéria e do espaço, o filme adotou um estilo cuidadosamente refletido para representar estas dimensões. Desde a grande mansão onde mora Brennand, até as centenas de esculturas e quadros que ocupam cada cômodo do local, a câmera percorre estes espaços em travellings lentos, progressivos. A observação é silenciosa, sem explicações de familiares ou especialistas. A câmera sabe oferecer ao espectador a oportunidade de observar por si próprio, e tirar suas conclusões. Esta é uma qualidade notável da direção: ela nunca subestima a inteligência do público.

    Para não dizer que este é um filme completamente silencioso, existem duas vozes que se pronunciam – as duas, de certa maneira, vindo de Brennand. A primeira diz respeito a trechos do diário do artista, lidos por Hermila Guedes. O tom que a atriz imprime à leitura é neutro, respeitando mais uma vez a interpretação do leitor. A segunda voz vem do próprio artista, que fala de suas obras (e nunca de sua vida pessoal) às câmeras.

    Brennand tem uma personalidade fascinante: recluso em sua casa, enquanto produz rápido, em grande quantidade, ele passeia por salas e ateliês, visitando dezenas de obras, e interpretando-as com um distanciamento invejável, como se descobrisse seus trabalhos pela primeira vez, junto do espectador. Este senhor de 85 anos de idade nunca explica suas intenções ou técnicas, ele apenas descreve sensações, ou aponta evoluções no estilo – algo que um crítico ou historiador da arte faria.

    Ao mesmo tempo, o documentário evita quase por completo o material de arquivo, e nunca mostra este homem trabalhando. Não se sabe como ele compõe o traço, ou como queima o barro para obter esculturas tão grandiosas e maciças de aves. Visivelmente sofrendo com problemas nervosos – suas mãos tremem, algo que o filme decide, de maneira respeitosa, nunca comentar -, o artista fala de tempos passados, sem grande nostalgia, apenas citando, de vez em quando, que tal obra data de quando "eu ainda tinha a mão boa".

    A direção de Mariana Brennand Fortes, sobrinha-neta do escultor, é um espetáculo à parte. A jovem cineasta soube compor imagens estetizadas e autorais, mas que nunca se sobrepõem ao seu objeto de estudo. A belíssima trilha original de Lucas Marcier também banha as obras em uma melodia fluida, que evita vangloriar Brennand ou seu trabalho de maneira pomposa. A música acompanha as imagens das obras, mas quando Brennand aparece no plano, ela cessa de existir: a representação realista do artista nunca se confunde com a experiência estética diante das obras. Apesar de este ser um trabalho de afetos (pelo tio-avô, pela arte, pelo cinema, pela casa onde morar o artista), o documentário conseguiu ser comedido, deixando espaço à reflexão.

    O cinema brasileiro produz a cada ano dezenas de documentários, e de vez em quando chega ,de surpresa, um filme como Francisco Brennand, que evita o peso da pedagogia, o fascínio dos fatos e a celebração do objeto de estudo. Este filme parece motivado por um profundo respeito e curiosidade pela arte de Brennand, criando relações – secundárias – com o homem que a desenvolveu. Contra o conceito romântico da obra como espelho direto de seu criador, o filme de Mariana Brennand Fortes observa a obra de arte como objeto autônomo, em uma postura pragmática, poética e instigante.

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