Vidas que passam
por Lucas SalgadoEm meio a uma imensidão de comédias (De Pernas pro Ar, Até que a Sorte nos Separe, Minha Mãe é uma Peça...) e filmes policiais de ação (Tropa de Elite, Alemão...), o cinema brasileiro não investiu muito no drama nos últimos tempos. Mesmo produções independentes têm focado mais no cinema de gênero (Trabalhar Cansa, O Som ao Redor, O Que Se Move...) do que no drama em si. Por isso, um longa como Entre Nós deve ser considerado muito importante na cinematografia do país. Este sim é um drama, focado no desenvolvimento de personagens e não numa sucessão de esquetes.
Dirigido por pai e filho, Paulo Morelli e Pedro Morelli, o longa conta a história de um grupo de amigos que volta a se encontrar dez anos após o acidente que vitimou uma das pessoas da turma. A trama começa em 1992, quando eles são animados e sonhadores, e escrevem cartas para suas versões no futuro. Dez anos depois, em 2002, eles estão em caminhos diferentes em suas vidas e são obrigados a confrontar o passado.
Poucos filmes conseguem retratar tão bem os efeitos do tempo quanto este. Para isso, conta com a ajuda de personagens complexos e atuações extraordinárias do elenco, com destaque para Caio Blat, Maria Ribeiro, Júlio Andrade e Martha Nowill. Paulo Vilhena e Carolina Dieckmann completam o elenco e também não decepcionam.
Os seis atores conseguem passar muito bem o sentimento de amizade e também a ideia de que aquele grupo está marcado pela dor. Com personagens carismáticos e boas performances, o longa consegue sobreviver bem eventuais problemas de ritmo e falhas narrativas, como a previsibilidade da história.
Blat vive Felipe, o mais bem sucedido do grupo, mas que possui um segredo que ocupa toda sua alma e que vai abalar a dinâmica do grupo. Amor, sexo, traição e fracasso são alguns dos temas abordados pelo filme, que também mostra como sonhos podem se tornar pesadelos.
Após realizar os fracos Viva Voz e O Preço da Paz, e realizar um trabalho apenas razoável em Cidade dos Homens, Paulo Morelli entrega aqui seu principal trabalho como diretor, apresentando um drama profundo que conduz a história com uma boa dose de humor e que uma direção de fotografia muito interessante. Responsável pela fotografia, Gustavo Hadba mostra porque é um dos principais nomes do cinema nacional nos últimos tempos, com trabalhos marcantes em Faroeste Caboclo e Meu Pé de Laranja Lima. Ele abusa dos closes na cara dos personagens, que unidos às grandes atuações passam muito bem a emoção vivida pelos mesmos.
Ainda que a canção "Na Asa do Vento", de Caetano Veloso, esteja brilhantemente inserida na trama, a trilha sonora de Beto Villares é um dos problemas da produção. Em alguns momentos, a trilha sonora rouba a cena e tenta transmitir uma emoção que já estava na sequência em si, sem precisar de uma música tão incisiva. Uma cena de sexo entre os personagens de Vilhena e Dieckmann é exemplo claro disso.
Mesmo assim, Entre Nós é um grande filme. Conta com grandes atuações, com uma direção talentosa e com ótimos trabalhos de fotografia e montagem. Não que alguém tivesse dúvida, mas é bom para provar também que o cinema brasileiro sabe sim fazer dramas.