Perdido no oeste
por Bruno CarmeloApós o grande sucesso de Ted (2012), o diretor e roteirista Seth MacFarlane tinha liberdade para fazer praticamente o que quisesse. Escolheu algo inusitado: esta paródia de faroeste, gênero que não rende sucessos de bilheteria há muitos anos. Estão presentes nesta comédia todos os elementos famosos do western: os saloons onde os atiradores tomam suas cervejas, as donzelas, os duelos ao meio-dia na rua principal da cidade, as fugas a cavalo em planícies desérticas etc.
Este aspecto desperta a primeira surpresa para o espectador. Recentemente, as comédias destinadas a adultos têm brincado com a convivência entre opostos: o policial inteligente contra o policial burro em Anjos da Lei, a casa silenciosa contra a casa barulhenta em Vizinhos, a policial dedicada contra a policial irresponsável em As Bem-Armadas, a irmã abusada contra o irmão ingênuo em Família do Bagulho. O próprio Ted brincava com essa contradição, ao embutir na figura dócil do urso de pelúcia uma personalidade grosseira e irresponsável. Pois este novo faroeste foge à estrutura dos opostos: alguns elementos são subvertidos, mas os personagens permanecem dentro das regras do gênero, com a presença do vilão temido, a donzela doce e assim por diante. Esta é menos uma crônica do que uma caricatura, um exagero dos clichês consolidados.
A ideia pode ser interessante, mas Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola nunca sabe muito bem de que maneira pretende subverter o western. Alguns personagens capricham no sotaque sulista, enquanto outros falam como nova-iorquinos (e Liam Neeson assume seu sotaque irlandês, sabe-se lá porquê). Alguns estão vestidos como se de fato estivessem no século XIX, já MacFarlane apresenta um penteado contemporâneo. Parte do elenco adquire gestos de caipiras, mas outros assumem composições de personagem do século XXI. Embora certas piadas façam referência ao estilo de séculos atrás, os diálogos são recheados de gírias atuais. Bem-vindo a uma espécie de pastiche atemporal da América profunda.
Este conjunto, apesar de confuso, poderia funcionar melhor se não fosse pela própria presença de MacFarlane no papel principal. É muito evidente que o roteirista não tem muita desenvoltura como ator, o que prejudica bastante o ritmo da trama. A deficiência do ator fica ainda mais clara porque ele está cercado por um elenco cômico excelente: Giovanni Ribisi e Sarah Silverman são hilários, roubando a cena nos poucos momentos em que aparecem, e Charlize Theron é de fato uma atriz muito completa, se saindo bem tanto nas piadas mais grosseiras (como a “bunda de negona”) quanto nos instantes dramáticos, em que consegue dar uma profundidade interessante a sua personagem.
Na direção, MacFarlane também tem muito a aprender com Mel Brooks e outros cineastas que já se arriscaram nas sátiras de faroeste. O humor verbal é obtido através do roteiro e dos diálogos, sobrando pouca comicidade à construção das imagens. As cenas de duelo, ou os momentos dentro do bar, mostram a dificuldade em imprimir o ritmo ágil necessário à comédia. Mesmo uma simples conversa (o diálogo entre o protagonista e Amanda Seyfried, no início da trama) fica empobrecida pelo insistente plano e contra-plano no rosto dos atores. Talvez por falta de experiência, ou por respeito às regras do gênero, o diretor não se permitiu criar gags puramente visuais, dependendo das piadas proferidas por cada personagem.
Assim, o humor do filme foge às expectativas. MacFarlane ficou famoso com textos ácidos e sarcásticos, às vezes qualificados de misóginos (vide a sua apresentação do Oscar), mas sempre cutucando as representações familiares e de gênero. Neste faroeste, no entanto, ora o roteiro traz algumas piadas realmente inteligentes e irônicas sobre o racismo e sobre a posição social das mulheres, ora insiste em piadas infantis envolvendo todo o tipo de escatologia e personagens que tropeçam e caem. A narrativa tenta combinar dois tipos de humor praticamente incompatíveis: a comicidade de cunho social para adultos, estilo Sacha Baron Cohen, e a comicidade mais apelativa para plateias familiares, estilo Adam Sandler.
Como resultado, quase todos os espectadores vão encontrar alguns momentos hilários durante Um Milhão de Maneiras de Pegar a Pistola, mas dificilmente vão se divertir durante o filme inteiro. Esta é uma obra muito heterogênea, que tenta usar recursos demais, e agradar plateias demais. Se escolhesse um único mote cômico, o diretor poderia explorá-lo em todos os contextos possíveis. Mas o filme é disperso, menos amadurecido do que o anterior – embora seja um pouco mais ambicioso. Enfim, uma experiência mediana, que deve depender do boca a boca para conseguir um resultado sólido nas bilheterias brasileiras.