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    Sobral – O Homem que Não Tinha Preço
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Sobral – O Homem que Não Tinha Preço

    O deus da justiça

    por Bruno Carmelo

    O espectador que ainda não conhecer o jurista Heráclito Sobral Pinto vai descobrir neste documentário que ele foi um homem bom. Aliás, um homem muito, muito bom. Sobral era justo, incorruptível, bem-humorado, pontual, leal, inteligente, culto, batalhador, corajoso, desprendido de bens materiais, ótimo pai, esposo amoroso, colega fiel, profissional astuto, amigo dos pobres e adorado por todos na região onde morava. Um entrevistado, inclusive, enxerga em Sobral virtudes sobre-humanas, comparando-o ao deus da justiça da mitologia hindu.

    Sobral tinha defeitos? Talvez dois, pequenos, mas que aproximam o homem da figura querida e máscula do “malandro”: ele era obcecado por futebol e mulheres. Perdia a cabeça diante de uma boa partida, e chegou a ceder à sedução de uma bela moça quando já era casado. Mas o fato de ter apoiado o golpe militar em 1964, não seria uma pequena mancha neste currículo invejável? De modo algum. Segundo o filme, Sobral se arrependeu desta postura logo após o golpe, e passou toda a sua carreira lutando contra o autoritarismo dos militares.

    Como o título pode sugerir, Sobral – O Homem que Não Tinha Preço é menos um filme do que uma homenagem ao protagonista, dirigida por sua neta. A diretora Paula Fiuza não está preocupada em questionar o pensamento do homem, nem buscar a complexidade do contexto político da época. A intenção é apenas gravar na memória o público todas as suas qualidades. Pode até ser que os fatos apresentados por Fiuza sejam verificáveis e corretos, mas a abordagem é tão unilateral que funciona como uma campanha agressiva para restaurar a imagem de alguém que, até onde se saiba, não precisava de tamanho esforço de marketing.

    A proximidade da cineasta com Sobral não é um problema em si: belos documentários como Construção e Elena foram feitos por familiares de seus retratados, mas adotando um olhar poético, lírico, no qual os fatos importavam menos do que as sensações. Outros, como Francisco Brennand, optaram por mostrar apenas o aspecto profissional, deixando de lado as histórias pessoais. Já Sobral – O Homem Que Não Tinha Preço deseja educar, persuadir, apresentar sua visão parcial dos fatos como se fosse uma verdade única. O filme é eticamente contestável como forma de cinema, mas é ainda mais questionável como documento.

    Tecnicamente falando, a produção é simplicíssima, baseada na alternância entre narração e depoimentos (apenas de pessoas que adoram Sobral, claro). O trabalho de som direto e de iluminação é muito deficiente: a filha de Sobral, por exemplo, sibila durante todas as suas falas, enquanto outros personagens brilham e transpiram à luz dos refletores. A câmera inconstante parece captar imagens ao vivo, embora todos os depoimentos sejam devidamente imóveis, posados, com todo o tempo para a equipe técnica se preparar.

    Para piorar, as imagens de arquivo mostram Sobral apenas em idade avançada, quando já era uma lenda. Justamente, Sobral – O Homem que Não Tinha Preço se esforça para alimentar um mito, uma idealização. Pouco se conhece sobre a formação de Sobral, seus estudos, seu percurso. Não se sabe nada do que ele pensava por si próprio, apenas a fama construída por terceiros. Este é o problema do documentário: embora seja agradável de assistir, ele não passa de uma imagem sobre outra imagem. O público sai das salas de cinema conhecendo muito sobre o carinho de seus amigos e familiares, mas pouco sobre o homem por trás de tanto afeto.

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