À margem do luto
por Bruno CarmeloEste drama gira em torno de um único personagem central, no passado e no presente: o economista Vicente (Ângelo Antônio), visto no passado com uma confortável vida de classe média-alta, e no presente como morador de rua. Desde o início, a montagem paralela conduz firmemente a história: as cenas alternam entre Vicente pai e Vicente catador de lixo, Vicente empresário e Vicente sem-teto. Para o espectador, o conflito é o mesmo, ao longo de toda a narrativa: Como o personagem passou do luxo ao lixo?
O diretor Philippe Barcinski, paciente, constrói indícios de resposta, a partir de um trauma pessoal do personagem, que teria arruinado a sua estabilidade. Não é muito difícil prever a fonte desta ruína, afinal, o roteiro enxuto fornece ao protagonista um único objeto de afeto, portanto seu caos só poderia vir da subtração deste elemento. Entre Vales parece acreditar que, tal um road movie, o importante não é o destino (já sabemos que Vicente termina em um lixão), mas o trajeto. E isso implica criar um caminho interessante, um personagem que desperte empatia e curiosidade no espectador.
Neste ponto surge o maior problema do filme: sua frieza. Cineasta evidentemente cerebral e meticuloso, Barcinski confere grande atenção aos planos (acompanhando Vicente com a câmera no ombro) e ao ritmo da montagem, mas permanece alheio ao conflito principal. A trama não acompanha o ponto de vista deste homem monossilábico, que aparece, de modo determinista, como puro fruto dos eventos ao redor. De fato, Vicente não controla a rotina na empresa, embora seja um dos patrões, não controla as rédeas do casamento, não controla a si mesmo. Ele não manifesta seus pensamentos através de gestos, palavras ou metáforas.
Depois de 80 minutos com a câmera acompanhando o personagem, o público ainda saberá muito pouco sobre ele, seus gostos, suas ideias. Barcinski evita guiar seu filme como um narrador onipresente, e filma apenas os gestos que o personagem fornece ao olhar. O vasto mundo interior, com as dores, as inseguranças e a loucura iminente permanece distante da imagem. O fato que Vicente tenha se entregue sozinho à marginalidade importa pouco. Este pai de família poderia ter sido roubado e deixado por seus agressores no lixão: o resultado, em termos imagéticos, teria sido o mesmo.
Atendendo a esta lógica travada e contida, Ângelo Antônio reduz sua atuação ao mínimo necessário. Os diálogos muito explicativos do início (quando os personagens dizem um ao outro coisas que ambos deveriam saber, de maneira bem ar-ti-cu-la-da e com verbos pouco comuns na linguagem oral) não contribuem a humanizar este homem-ação. Vicente é um corpo que se desloca entre a casa e o trabalho, entre o depósito de lixo e um buraco sob a ponte.
Talvez Barcinski esteja querendo transferir à estética a perda de humanidade de Vicente, mas o fato é que o espectador tem poucos elementos para aderir à trama. Nem mesmo um tema forte como o luto e uma cena potencialmente catártica como a do hospital permitem alguma emoção. Aliás, a descoberta traumática de Vicente é conduzida com uma economia assustadora nos planos e na duração. Entre Vales acaba sendo um filme ousado em termos narrativos, mas um tanto embotado, emburrado. Uma obra que recusa se oferecer ao espectador, e em seu hermetismo, deixa de estabelecer um diálogo ou reflexão.