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    Frank
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Frank

    Insanidade criativa

    por Bruno Carmelo

    Frank é um desses filmes independentes muito especiais, do tipo que define seus personagens por suas patologias e/ou esquisitices. A curiosa banda de título impronunciável The Soronprfbs é composta por um tecladista suicida, um homem que só tem desejo sexual por manequins de lojas, um francês que não se comunica com ninguém, uma mulher com impulsos assassinos, um compositor que nunca conseguiu escrever nenhuma música e um homem que usa uma cabeça falsa o tempo inteiro, mesmo para comer, tomar banho e dormir. Este último é Frank, o líder do grupo.

    Juntos, eles decidem passar um ano inteiro reclusos em uma cabana distante, fazendo experiências com sons ambientes, aperfeiçoando a sua música e criando o melhor álbum da história. O público nunca descobre exatamente que tipo de música o grupo compõe: apenas uma canção é tocada integralmente durante a história. Mas o que interessa em Frank é menos a música do que a evolução dos membros da banda, seguindo a premissa romântica de que só os loucos e as crianças são realmente livres, criativos e desprendidos de amarras sociais, podendo criar obras-primas. A imersão do grupo na música nada mais é do que um projeto de hospício, ou de arte-terapia administrada pelos próprios internos.

    Este poderia ser o material para um drama, ou mesmo um suspense, mas o filme é uma comédia leve, demonstrando prazer por um tipo de absurdo mínimo, inconsequente, quase infantil. Em uma cena, os personagens testemunham um estranho suicídio, mas voltam a compor juntos logo depois. Em outro momento, Frank briga com uma intrusa na cabana onde mora, mas bastam trinta segundos para que eles se tornem amigos e comecem a rodopiar pela grama. Como nos desenhos animados, os personagens são alegremente inconsequentes, em especial o dono da cabeça gigante, uma curiosa mistura de vítima e herói, mártir e messias construída com equilíbrio pelo talentoso Michael Fassbender.

    O roteiro, muito satisfeito com suas próprias esquisitices, às vezes se esquece de fornecer explicações verossímeis para a trama. A aparição abrupta de certa quantidade de dinheiro constitui uma solução fácil demais para explicar como o grupo se sustenta, e a própria hesitação de Frank entre querer ficar escondido (afinal, ele usa uma cabeça falsa) e querer ser amado pelo grande público revela uma incoerência na construção do personagem. Também é uma pena que o filme nunca observe o mundo pelos olhos de Frank: quem o acompanha é o novo tecladista dos Soronprfbs (Domhnall Gleeson), verdadeiro protagonista da história. Frank é retratado em terceira pessoa, visto por pessoas que não o compreendem. O público, igualmente, não desvenda todos os seus segredos.

    Mas a história melhora rumo à conclusão, quando o ritmo ágil do diretor Lenny Abrahamson garante um desfecho agridoce e relativamente violento para os personagens. No instante em que a trama finalmente adentra a complexidade psicológica de Frank, ela o faz de maneira natural, evitando facilidades pseudo psicanalíticas do tipo “personagem abusado durante a infância”, “trauma por causa dos pais ausentes" etc. Para uma comédia leve, o filme nutre uma curiosa e interessante obsessão pela morte e pela (auto)destruição de seus personagens. Frank talvez funcione mal como filme sobre música ou sobre músicos, mas constitui um retrato divertido e terno sobre pessoas em situações limítrofes. Ah, curiosidade à parte: o roteiro é baseado em uma situação real, retirada da história de um jornal.

    Filme visto no Festival do Rio, em setembro de 2014.

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