Juventude inquieta
por Lucas SalgadoO mundo do cinema fora dos dramas não é lá muito justo com as mulheres. Geralmente são objetos de desejo unidimensionais que estão lá mais como rostinho bonito do que para qualquer outra coisa. É claro que existem inúmeras exceções, mas os exemplos, principalmente em comédias românticas, são incontáveis. É só notar as últimas dezenas de filmes estrelados por Jennifer Aniston e Katherine Heigl para não me deixar mentir. Escrito e dirigido pelo ótimo Noah Baumbach, Frances Ha é uma das boas exceções.
Embora não seja claramente uma comédia romântica, trata-se de uma obra com bastante humor, que trata seus personagens com muito carinho. Vivida brilhantemente por Greta Gerwig, a Frances do título é uma garota extremamente profunda. Tem uma beleza delicada e muita personalidade, sendo retrato ideal dessa nova geração de confusos jovens do século XXI.
É avoada, não em prol da estética como Zooey Deschanel, mas sim por fazer parte de um grupo de jovens confusos que se formou, mas não possui dinheiro para seguir a vida. Sonha com uma carreira artística, sem necessariamente possuir o talento para tanto. Neste sentido, lembra bastante a personagem de Lena Dunham na série criada por ela, Girls. As duas são indecisas, inseguras e muito interessantes. Moram em Nova York. E ainda convivem com um mesmo ator, Adam Driver.
Frances, no entanto, é diferente da Hannah de Dunham em vários sentidos. Ela vive num ambiente mais lúdico e elegante, fruto da excelente escolha de Baumbach e do diretor de fotografia Sam Levy em fazer o filme em preto e branco, remetendo diretamente à Manhattan, de Woody Allen. A opção pelo clássico também está presente na trilha sonora instrumental, que usa Bach, Mozart e, principalmente, Georges Delerue, grande compositor da Nouvelle Vague que trabalhou muitas vezes com François Truffaut e Jean-Luc Godard.
Falando na trilha, a seleção musical da obra é extraordinária. Paul McCartney, David Bowie, The Rolling Stones, Harry Nilsson e Hot Chocolate fazem do filme um deleite não só para os olhos, mas também para os ouvidos. Ainda que seja uma produção com excelentes diálogos, fruto do roteiro coescrito por Greta Gerwig, Frances Ha possui momentos que remetem ao cinema mudo, em que os gestos e os olhares, graças a ajuda da trilha, dizem muito, como na sequência inicial.
Na trama, Frances é uma jovem (mas não tão jovem) que integra uma companhia de dança e sonha em integrar o time principal do grupo e sair em turnê, o que lhe daria mais dinheiro para sustentar sua vida na Grande Maçã. Ela acaba de terminar um namoro quando recebe a notícia de que sua melhor amiga, Sophie (Mickey Sumner), vai deixar o apartamento em que moram juntas para viver com o namorado (Patrick Heusinger).
Na casa dos vinte e tantos, Frances está naquela idade em que você ainda se sente jovem ao mesmo tempo em que o universo dá várias dicas de que o tempo está passando. E quer dica melhor do que ver uma amiga se casar? A diferença de realidades acaba a afastando de Sophie e a jogando na companhia de um grupo de garotos que vivem do dinheiro dos pais ao mesmo tempo que tentam emplacar como músicos ou escritores.
Trata-se de uma obra bem novaiorquina. A natureza inquieta, moderna e veloz da cidade está presente, assim como aquela ideia da clássica canção, "se você consegue fazer sucesso lá, você consegue em qualquer lugar."
Parceiro de Wes Anderson nos roteiros de A Vida Marinha com Steve Zissou e O Fantástico Sr. Raposo, Noah Baumbach volta a grande forma sete anos após A Lula e a Baleia. Neste meio tempo realizou Margot e o Casamento e O Solteirão, que são bons filmes, mas poucos marcantes. Agora, ele volta a realizar um trabalho memorável, repleto de personalidade. É bonito, divertido, intrigante e até um pouco irritante, mas no bom sentido, uma vez que a inquietude da personagem principal acaba deixando o expectador inquieto também.
Como destaquei acima, lembra um pouco a série Girls, mas não se prenda a esta referência. Se você gosta de Girls, vai gostar de Frances Ha. Se não gosta, muito provavelmente irá gostar do filme da mesma forma.