O mal invisível
por Bruno CarmeloEste filme brasileiro começa em tom literário e nostálgico, lembrando as "tardes úmidas e sem sol", evocadas por um narrador com voz emocionada. O período sobre o qual ele fala, no entanto, não costuma evocar boas lembranças para os brasileiros: a ditadura militar, em particular o ano de 1971. Como sugere o título, Cara ou Coroa opera entre chaves opostas: a opressão do governo contra a solidariedade dos indivíduos, a repressão cultural contra a multiplicação de formas alternativas de arte e de sociedade. A ditadura, como sugere o filme, foi uma época de contrastes.
A grande surpresa desta produção aparece não com o tom leve, mas com a distância que o filme adota em relação aos horrores da ditadura. No momento em que a juventude queria ir às ruas, esta história se passa quase inteiramente em espaços fechados, como casas e teatros isolados. Não se vê o governo, nem uma única imagem de tortura, de repressão, de censura. Fala-se o tempo todo no medo do exterior, mas este é um mundo ausente, distante.
Pode ser interessante retratar a ditadura focando-se apenas no povo dentro de suas casas. Mas em Cara ou Coroa, estes recursos parecem menos uma escolha do que uma limitação de recursos e de orçamento. O sótão onde se escondem os fugitivos está sempre escuro, os cenários da peça de teatro de João Pedro praticamente não existem, a faculdade de Lilian ou a rotina de Getúlio estão ausentes. A ditadura transforma-se em uma história distante, de outros tempos – algo talvez coerente para um retrato dos anos 1970 feito em pleno século XXI.
Ao mesmo tempo, o diretor Ugo Giorgetti opta por fechar seus planos no rosto dos personagens, enquanto escolhe um formato de tela mais quadrado que de costume. O cineasta enxerga as cenas frequentemente com lentes teleobjetivas, filmando à distância. Seria uma estratégia para simular a impressão de ser observado, pertinente à paranoia destes jovens engajados? Ou apenas mais uma restrição de produção – já que planos mais fechados facilitam o trabalho da direção de arte e da fotografia? Talvez um pouco dos dois.
Entre dificuldades de produção e coerência estética, Cara ou Coroa segue seu caminho simples, com um roteiro linear, de poucos conflitos, e com frases às vezes literárias demais (vide as conversas entre Lilian e seu avô no início da história), ou explícitas demais. É uma pena, na conclusão, que o diretor ache necessário eliminar com uma fala de Getúlio a ambiguidade construída em torno do personagem do general.
Outros elementos transitam entre tons distintos: a música ora sugere perigo e suspense, ora apenas dá ritmo à história. Alguns atores parecem perfeitos para seus papéis, como Emílio de Mello, Otávio Augusto ou Walmor Chagas, mas José Geraldo Rodrigues está perdido em cena no papel de Getúlio. Apresentando uma fragilidade extrema, o ator não sabe muito bem como construir este garoto, que finalmente não tem real importância para a trama, exceto pela capacidade de transitar entre diversos núcleos. Além dele, o tom excessivamente honrado do fugitivo (Eduardo Tornaghi), ou o palavreado grave da crítica de teatro (Juliana Galdino) também destoam do resto.
De certo modo, Cara ou Coroa não sabe muito bem qual caminho adotar, às vezes caindo no romance pós-adolescente (as cenas entre Lilian e Getúlio são de longe os momentos mais fracos do filme), outras vezes no suspense, às vezes no drama. Talvez o verdadeiro objeto de estudo encontre-se fora dos enquadramentos claustrofóbicos, naquelas "tardes úmidas e sem sol" que o espectador não vê, nas ruas nostálgicas que não aparecem. Por fim, a produção lembra esse general gentil e ético que se tranca no lar, retira o som da televisão e fecha os olhos a alguns acontecimentos graves no mundo lá fora.