Com as mãos sujas
por Lucas SalgadoSniper Americano é um filme que vem levantando polêmicas desde sua estreia nos Estados Unidos. O longa foi um sucesso imenso de público, faturando mais de US$ 300 milhões só nos EUA. Para terem uma ideia da força do número, este é maior que a bilheteria somada de todos os outros sete indicados a Melhor Filme no Oscar 2015.
Por outro lado, a produção recebeu vários ataques por parte da imprensa e de grupos liberais pela forma como trata como herói seu protagonista e, principalmente, por oferecer uma visão rasa e estereotipada dos últimos conflitos militares envolvendo os Estados Unidos. Toda polêmica gera algumas perguntas, mas duas se destacam: 1) o filme é merecedor de tais críticas?; 2) o filme é merecedor de tamanho sucesso? Curiosamente, a resposta é uma só para as duas perguntas: sim!
Ainda que ideologicamente falho (o que vamos discutir mais à frente), temos que reconhecer que trata-se de um cinema de primeira grandeza. Clint Eastwood usa todo seu talento para criar um épico de guerra tenso e envolvente. Quem for assistir ao filme da mesma forma com que joga um game de guerra vai se empolgar.
Bradley Cooper interpreta Chris Kyle, o clássico texano que sonha em ser cowboy. Abalado com os atentados de 11 de setembro de 2001, ele decide se juntar às forças especiais da marinha americana e acaba servindo na Guerra do Iraque. Lá, acaba se destacando como o sniper mais letal da história do exército americano, com mais de 160 mortes.
Tensão é a palavra que melhor define American Sniper (no original). Clint cria cenas absolutamente angustiantes. O espectador tem um pouco da experiência vivida pelo sniper e sofre com o personagem a dificuldade da decisão de atirar em alguém. Diante disso, é interessante o fato do filme não julgar seu protagonista. O fato de transformá-lo em herói pode ser questionado, mas também é algo pra lá de esperado de uma produção norte-americana.
É importante destacar que o filme também mostra falhas de seu personagem principal, que tem dificuldades para voltar à vida normal após a guerra e que não se sente bem no papel de "herói". Cooper tem uma atuação extraordinária, se saindo bem nas cenas de ação e também nos momentos mais dramáticos. Ele conta com a companhia de uma surpreendente e irreconhecível Sienna Miller, que vive a esposa de Kyle. Ela sofre com a distância do marido, sendo obrigada a cuidar dos dois filhos ao mesmo tempo em que ele arrisca sua vida à milhares de quilômetros de distância.
Agora vamos aos problemas: o filme é a impressão clara do sentimento americano pós-11 de setembro. Patriota, excessivo e quase cego do ponto de vista de política internacional. Não era de se esperar um foco que não retratasse a visão americana, mas talvez fosse possível oferecer uma visão geopolítica menos superficial do que tratar todos os iraquianos como selvagens. Por sinal, o filme diz com todas as letras que todos os homens de uma cidade deviam ser tratados como terroristas.
Não há que se falar que trata-se de uma obra politicamente incorreta. É mais que isso. É uma reafirmação do american way of war. Uma defesa do "nós contra eles". O Cint Eastwood visto aqui está mais perto daquele que subiu no palco da convenção do Partido Republicano para atacar Obama do que daquele diretor responsável pelo faroeste anti-violência Os Imperdoáveis.
Sniper Americano é cinemão de primeira categoria. Quem for assistir, vai se envolver e ficar impactado com as cenas de conflito e com a bela fotografia de Tom Stern. É importante destacar que o filme não está sozinho na história da sétima arte. O Nascimento de uma Nação é um clássico de D.W. Griffith que apresenta negros como selvagens e a Ku Klux Klan como grupo de heróis. E como não lembrar de Leni Riefenstahl, a cineasta favorita de Hitler responsável por propagandas nazistas que eram primores técnicos como O Triunfo da Vontade.
O "crime" de Clint pode não ser tão grave quanto o dos dois diretores lembrados. Mas não dá para dizer que ele deixa American Sniper com as mãos limpas.