Uma história de amor
por Francisco RussoTodd Haynes é um diretor que, apesar de ter poucos trabalhos no currículo, tem como marca registrada o perfeccionismo na ambientação de seus filmes/série. Assim foi com Velvet Goldmine, Longe do Paraíso, Mildred Pierce e assim é em seu novo trabalho, o excelente Carol, exibido em primeira mão no Festival de Cannes.
O longa-metragem acompanha o envolvimento entre duas mulheres, Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara), que se conhecem por acaso em uma loja de departamentos. Com um detalhe extra: a história é situada na Nova York dos anos 1950, com todos os preconceitos e ignorâncias da época em relação ao universo homossexual. Ou seja, um período onde sair do armário era considerado uma imoralidade absoluta, ainda mais se você tem uma filha, como é o caso de Carol. Em uma realidade tão difícil de ser quem você realmente é, o único meio de se proteger da fúria alheia é camuflar os sentimentos, de forma que apenas os mais perspicazes possam realmente decifrá-los. É este o mundo em que Carol vive, é este o mundo para o qual Therese é atraída.
Para fundamentar esta complicada realidade, Haynes constrói um mundo repleto de sutilezas onde um simples olhar ou toque diz muito. Mas não há pressa, nem extravagância. O diretor dá às duas o tempo necessário para que se conheçam e se apaixonem, de forma que a cada novo minuto fique ainda mais à flor da pele a necessidade absoluta de liberar emoções duramente contidas, por medo do preconceito e de possíveis retaliações. Quando elas enfim vêm à tona, surge o gozo: de prazer, de alívio, de amor. A sequência é de uma explosão impressionante, delicada e ao mesmo tempo ardente.
É claro que, para que este universo de insinuações funcionasse, Haynes precisava ter em mãos duas grandes atrizes. Cate Blanchett é um verdadeiro monstro em cena, distribuindo olhares sedutores no melhor estilo Lauren Bacall. É ela a Mrs. Robinson da vez, atraindo Therese para seu universo pela atenção concedida a ela. Entretanto, é interessante notar que o relacionamento entre as duas não corresponde à simplicidade do quem seduz e quem é seduzida, já que ambas demonstram personalidade e apresentam, cada uma a seu tempo, força e fragilidade. São as sutilezas e belezas do roteiro, transpostas para a tela com maestria por ambas.
Além de toda a construção psicológica das personagens, Carol ainda oferece ao espectador uma recriação elegante dos anos 1950, onde brilham aspectos técnicos como fotografia, direção de arte e figurino. A trilha sonora de Carter Burwell, linda, é outro grande destaque, sabendo valorizar os silêncios tão necessários para uma história onde o detalhe é tão importante. No fim das contas, Carol traz uma história de amor poderosa, não apenas pelo sentimento presente mas também pela consciência das limitações impostas pela época retratada. Lindo filme, para saborear as entrelinhas.
Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.