O filme merecia mais
por Francisco RussoCidade de Deus merece estar em qualquer lista dos melhores filmes brasileiros já feitos em todos os tempos, seja por suas qualidades artísticas e estéticas ou pela repercussão que alcançou. É, até hoje, o único longa-metragem nacional indicado em quatro categorias do Oscar, foi visto por mais de três milhões de pessoas apenas no circuito comercial brasileiro e volta e meia é citado por cineastas mundo afora como exemplo no trabalho com não-atores e na realização de cenas de ação em locais de difícil acesso, como as favelas. Por tudo isto, e ainda as características bastante peculiares envolvendo a seleção dos atores, a realização de um documentário que abordasse todo este impacto dez anos após o lançamento comercial, ou seja, já com um bom tempo para que o turbilhão pudesse ser analisado com calma, é bastante válida. O problema é que Cidade de Deus - 10 Anos Depois acaba sendo um documentário incompleto, que não explora a contento o material que tinha em mãos.
O foco principal do longa dirigido a quatro mãos por Cavi Borges e Luciano Vidigal é acompanhar o que aconteceu com boa parte do elenco do longa-metragem, tendo em mente sempre a seguinte pergunta: será que uma obra de arte pode mudar a vida de alguém? Para alguns a resposta foi positiva, como Seu Jorge e Alice Braga, que seguiram carreira e até mesmo estrelaram filmes rodados fora do país. Para outros o sucesso foi passageiro, permitindo a continuidade na carreira de ator e até possibilitando a participação em outros filmes e projetos na TV, como Douglas Silva e Alexandre Rodrigues. Entretanto, boa parte voltou à estaca zero após a passagem pelo filme, com o agravante de ter apreciado o sucesso durante um certo tempo, seja devido a pré-estreias ou entrevistas concedidas devido ao filme ou ao comentário de conhecidos, que sabiam que tinham participado dele. Ou seja, Cidade de Deus acabou sendo a promessa de um futuro melhor que não se concretizou.
Por esta variedade de situações, e a simples curiosidade sobre o que aconteceu com boa parte do elenco, Cidade de Deus – 10 Anos Depois é um filme interessante de ser visto. Entretanto, falta ao documentário uma abrangência maior sobre o que significou Cidade de Deus para aquele grupo de profissionais envolvidos e para o próprio cinema brasileiro. A parceria com o Nós do Morro, essencial para a realização do filme, é citada brevemente, assim como o Nós do Cinema apenas é mencionado nos letreiros finais do filme. Há uma série de ausências significativas entre os entrevistados, que vão desde Matheus Nachtergaele ao diretor Fernando Meirelles, além de Katia Lund e Fátima Toledo, que poderiam acrescentar bastante sobre esta importante questão de trabalhar com atores pouco conhecidos que despontaram e, em alguns casos, depois voltaram ao ostracismo.
Por tudo isto, Cidade de Deus – 10 Anos Depois acaba sendo um documentário bem intencionado, mas bastante raso. Fosse mais ambicioso em sua proposta, poderia ser um grande filme sobre um episódio importante do cinema brasileiro e suas inevitáveis implicações sociais para os envolvidos. Seria até um meio do documentário ter um brilho próprio que fosse além do retrato do próprio homenageado. Do jeito como é, trata-se apenas de mera curiosidade sobre o sucesso alheio.