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    A Caça
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    A Caça

    Condenação prévia

    por Francisco Russo

    O diretor Thomas Vinterberg despontou no cinema mundial com o aclamado Festa de Família, pedra fundamental do movimento Dogma. Desde então até fez filmes interessantes, como o surtado Dogma do Amor e o soturno Submarino, mas jamais havia chegado perto da mesma consagração - até agora. Em A Caça, Vinterberg demonstra algo raro entre os diretores: a sabedoria na condução de uma história, de forma a gerar uma tensão crescente a partir de fatos da própria vida em comunidade. O terror que toma conta do protagonista Lucas e de cada um dos que o cercam é típico da própria índole humana, nada mais do que isto. Por mais que por um lado seja revoltante, por outro é perfeitamente compreensível.

    Tudo começa quando a pequena Klara (Annika Wedderkopp, de um ar angelical que dá ainda mais crédito à personagem) diz à diretora da creche que Lucas, seu professor, lhe mostrou as partes íntimas. Na verdade ela, que tem apenas cinco anos, apenas reagiu a uma paixão não correspondida pelo professor. Não há qualquer conotação sexual na acusação – na verdade ela nem tem noção do peso do que disse -, apenas repetiu algo ouvido em sua própria casa. Se para Klara a acusação era apenas uma vingança infantil, para os adultos é uma acusação muito séria. Pedofilia não é brincadeira e, como um dos personagens diz ao longo do filme, "crianças nunca mentem".

    A simples acusação é suficiente para que a vida de Lucas se transforme por completo. O até então boa praça e amigo de todos logo se torna um pária na sociedade, sofrendo graves consequências físicas e, principalmente, morais. Tem início uma batalha ingrata, a de provar sua inocência em uma comunidade que não se importa mais se há provas que confirmem a acusação. Lucas está marcado, para sempre, como pedófilo. Muitos fugiriam para recomeçar em outro lugar, mas ele decide enfrentar de frente. É sua vida que está em jogo.

    Todo este processo de linchamento público é apresentado de forma cuidadosa pelo diretor, tanto no sentido da tensão crescente mas também de justificar os atos dos lados envolvidos. É justamente por isso que, por mais que o tratamento recebido por Lucas seja por vezes revoltante, é difícil apontar seus detratores como culpados. Afinal de contas, coloque-se no lugar deles. Não teria você a mesma reação de repúdio e asco ao saber de uma acusação deste tipo, que alguém de plena confiança teria se aproveitado de uma criança próxima?

    Em meio a todo este turbilhão de emoções, há Mads Mikkelsen. O intérprete de Lucas tem uma atuação brilhante, daquelas de encantar. As mudanças na vida de seu personagem são transmitidas com extrema sutileza, ora pelo choque causado pela acusação ora pela revolta de ter sido condenado sem provas. Em meio à tamanha turbulência, é impossível não se emocionar com os rumos de sua vida a partir da histeria generalizada que toma conta da comunidade em que vive.

    Tendo por base um tema polêmico e bastante difícil, não só pelo assunto em si mas também pela diversidade de pontos de vista envolvidos, A Caça é um excelente filme que merece ser visto, mas apenas por aqueles que tenham estômago forte. Trata-se de um filme assustador, tanto pelo lado da acusação quanto pelo da condenação prévia, mas também eletrizante. Um dos melhores filmes do ano, sem sombra de dúvidas.

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