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    A Marca do Medo
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    A Marca do Medo

    Demônios e charlatões

    por Bruno Carmelo

    Os fãs de filmes de terror já devem ter visto dezenas de filmes sobre casas mal-assombradas, com espíritos à espreita. Também devem conhecer uma porção de tramas sobre seitas satânicas e garotas possuídas. Os fãs do terror mais recente provavelmente assistiram a diversas produções em found footage, aquela que supostamente contém registros reais. Mas talvez nunca tenham visto um filme como todos esses elementos reunidos de uma só vez: fantasmas, demônios, sombras, bonecas possuídas, garotas possuídas, casas mal-assombradas, marcas satânicas na pele, found footage.

    A Marca do Medo segue uma postura de cinema pós-moderno, em que o acréscimo de elementos pretende causar ainda mais medo, ainda mais terror. Para dar conta de tanta diversidade, o filme traz um espírito maligno pop, capaz de assumir diferentes formas e potências: ora ele é apenas uma presença, depois é uma sombra e mais tarde passa a morder pessoas; ora ele encarna em bonecas, ora incendeia o colchão onde se deita. Às vezes representa perigo apenas para a possuída Jane Harper (Olivia Cooke), em outros momentos ele ataca todo mundo. O “mal”, neste filme, não tem coerência: ele pode agir de qualquer maneira, quando bem entender.

    O mesmo vale para o roteiro, que manda às favas qualquer forma de verossimilhança. Nesta trama absurda, um professor arrogante (Jared Harris) decide fazer uma experiência com a tal garota possuída, convidando três alunos para viver dia e noite em função da pesquisa. Eles não têm vida fora deste estudo? A universidade não sente falta deles? E amigos, família? Nada. O professor Coupland perde o financiamento do estudo, mas consegue alugar uma mansão gigantesca (mal-assombrada, claro) para continuar pesquisando. Eles trancam Jane em um quarto por ser altamente perigosa, mas depois passam tardes inteiras conversando com ela tranquilamente, lado a lado. Depois desenvolvem geringonças para despertar a presença de espíritos, embora a própria garota rejeite esses instrumentos porque pode evocar as forças malignas por conta própria.

    A estética do diretor John Pogue é igualmente bagunçada. Com a câmera do personagem Bryan McNeil (Sam Claflin), um cinegrafista amador, ele pretende simular o estilo found footage, mas às vezes as imagens “reais” captadas pelo aluno apresentam decupagem e elipses, mesmo sem terem passado por uma sala de edição. Algumas cenas são vistas pelo olhar de Bryan, mas outras não, compondo um grande emaranhado de estilos (imagens nítidas para o filme, e granuladas para o filme-dentro-do-filme) e pontos de vista. Em determinados momentos, Pogue brinca com um terror às antigas, marcado por efeitos mecânicos de portas rangendo e lâmpadas queimando, mas segundos mais tarde faz um cipó computadorizado sair da boca de Jane (no melhor estilo A Morte do Demônio) em direção à tela.

    Atenção: a partir deste ponto, o texto pode conter spoilers!

    Pelo menos o filme assume sem grande hipocrisia o seu lado sexual. Produções sobre satanismo e possessões sempre mostram as mulheres como grandes receptoras do mal (são elas as possuídas, as histéricas, as incontroláveis), esperando ser salvas por figuras masculinas, paternas e racionais. Aqui, o caso é o mesmo, mas admite-se que Coupland quer transar com todas as mulheres ao redor, e os outros alunos do experimento pensam sobretudo em aproveitar os cômodos livres do casarão para dar vazão às suas pulsões sexuais. A própria Jane seduz Bryan e enfia a mão dentro de suas calças – apenas quando está possuída por um demônio, claro. Meninas boazinhas pensam em amor, meninas malvadas querem mesmo é sexo selvagem.

    Os espectadores que esperam muitos sustos e aqueles fãs de sangue ficarão igualmente decepcionados. O roteiro prefere a sugestão durante 80% da trama, até criar uma dezena de reviravoltas risíveis na conclusão, para acelerar o ritmo e causar o mínimo de mortes que se espera do gênero. Talvez seja por isso que o trailer brasileiro de A Marca do Medo utilize principalmente as cenas finais, para sugerir um filme acelerado e intenso. Pelo menos, para os fãs de um suspense elegante, a trama consegue alguns bons momentos em corredores e escadas, quando a decoração dos anos 1970 consegue compor um ambiente sombrio.

    As atuações também não são de todo más. Sam Claflin tem se mostrado um nome cada vez mais confiável em gêneros distintos, e consegue fazer o melhor possível com seu simples personagem. Olivia Cooke também é muito boa, transitando com facilidade entre a garota atormentada, sedutora, possuída e ingênua. É impressionante o que ela consegue obter a partir de poucos olhares. Jared Harris limita-se aos gestos padrões do crápula (como raios os jovens confiariam em um homem tão abertamente inescrupuloso?), mas cumpre o seu papel. Apenas Erin Richards desperta risos com sua composição patética, uma espécie de pastiche de Brigitte Bardot e outras femmes fatales francesas.

    A Marca do Medo lembra de certa maneira O Herdeiro do Diabo, outro filme de terror recente que desenvolvia uma atmosfera de suspense durante mais de uma hora, apostando todas as suas fichas no impacto da conclusão, que pretendia ser sanguinária e grandiosa. Nos dois casos, o desfecho não justifica tamanha espera. Restam do filme de John Pogue imagens interessantes aqui e acolá, além de alguns atores de destaque, que poderiam ser bem aproveitados em uma trama mais coerente.

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