Um dos filmes mais inteligentes que o Woody Allen fez nos últimos anos, com um dos roteiros mais concisos, exuberantes e cheios de particularidades. O filme foge um tanto do estilo dele, porque o diretor e roteirista está bem mais amargo, ácido, cheio de veneno pra soltar por meio de uma personagem que é detestável. O humor está ali, mas de forma reduzida. Mas é uma coisa TÃO sensacional a maneira como ele abraça essa personagem, e sabe que o filme é completamente ELA. Algo meio parecido com o que Jason Reitman faz em Jovens Adultos, um tanto mais bem feito e com o adendo de que Cate Blanchett entrega a performance de sua vida.
Há tempos eu não ficava tão impressionado com uma atuação feminina. Aliás, acho que desde Marion Cotillard e sua Piaf. De lá pra cá, fiquei horrorizado com a entrega absoluta de Charlotte Gainsbourg em Anticristo, chorei junto com Natalie Portman visceral em Cisne Negro, me emocionei com Viola Davis em Histórias Cruzadas, fiquei admirado com a contenção de Jessica Chastain em A Hora Mais Escura, mas nenhuma dessas atuações, que moram no meu coração, me deixou tão enternecido quanto o que Blanchett faz aqui com Jasmine. Sua construção, sua entrega, sua completa certeza do que está fazendo com a personagem, sua compreensão total da complexidade inclusa ali e do peso da culpa que carrega nas costas, são tão magnânimas que, pra mim, ela faz com que Jasmine entre pro hall de grandes atuações da história do Cinema. É incrível. Não aceito nenhuma outra atriz vencendo o Oscar ano que vem.
Woody sabe muito bem o tamanho do show que a protagonista escolhida por ele dá, e, por isso, faz questão de enquadrar a personagem em closes por diversos momentos. Até quando está acompanhada, Jasmine pode ser vista como o foco da cena. Essa precisão, por incrivel que pareça, não funciona só como um recurso estilístico, mas também faz um ponto interessante dentro da própria narrativa, sempre situando Jasmine no centro da ação. O filme gira em torno dela e ponto. Até quando a câmera a deixa e vai filmar as peripécias da irmã ou do cunhado (ou dos dois juntos), ela está sempre presente, em discurso ou diálogo velado.
E tudo para, na verdade, elevar Jasmine da mesma forma com que Elia Kazan faz com Blanche em "Uma Rua Chamada Pecado". Sim, porque Blue Jasmine é uma releitura feita por Allen da peça de Tennessee Williams. Com uma análise mesmo que superficial pode-se perceber isso, já que todos os personagens da peça dos anos 40/filme dos anos 50 estão representados e revitalizados pelos personagens de Blue Jasmine. E é muito bonito de ver quando Woody Allen resolve pegar um clássico universal e trazer pros dias de hoje, com sua visão tão particular de mundo, como já havia feito em Match Point, por exemplo. Só que aqui, em minha opinião, com ainda mais maestria, e uma montagem que vai de passado a presente com uma competência incrível. Absolutamente imperdível. Tanto como Cinema, quanto como obra de Woody Allen (não que as duas coisas não sejam a mesma).