Uma atriz em seu auge
por Lucas SalgadoEntra a tela preta, sobe o som de um jazz e começamos a ler os créditos iniciais seguindo a ordem alfabética. Sim, estamos diante de um filme de Woody Allen. Mas depois disso, nem tudo vai apontar para um longa do cultuado cineasta.
Ainda que o humor neurótico esteja presente em todo o roteiro, o filme tem seu foco no drama. Desde Ponto Final - Match Point que o diretor não criava situações tão dramáticas. E a força de sua principal intérprete nos faz remeter a obras ainda mais distantes, como A Outra e Interiores.
Cate Blanchett é a principal razão para o sucesso da produção, algo incomum em filmes de Allen, sempre idolatrados pelo roteiro. Aqui, o texto possui até algumas falhas, mas que acabam ignoradas diante de uma atuação quase sem precedentes na carreira do diretor. Vencedora do Oscar por O Aviador, a atriz entrega uma das melhores performances de sua carreira.
Jasmine (Blanchett) é uma mulher já na casa dos seus 40 anos que é obrigada a mudar para a casa da irmã Ginger (Sally Hawkins) em São Francisco após seu marido Hal (Alec Baldwin) ser preso e ter toda sua fortuna confiscada. Deprimida, neurótica e ainda sem acreditar no novo rumo que tomou sua vida, ela tenta recomeçar.
O título Blue Jasmine aponta para o estado de espírito da protagonista. Além de azul, a palavra "blue" significa melancólico, deprimido no inglês. O nome do filme também acaba sendo uma referência a música "Blue Moon", tocada diversas vezes durante a obra, seja para marcar situações de ostentação, seja para mostrar o quão diferente está a vida de Jasmine.
Com Jasmine, Allen cria uma de suas personagens mais detestáveis, que lembra um pouco o papel de Jonathan Rhys Meyers em Match Point. Preocupada com status e dinheiro, a personagem destrata a irmã e não faz questão de esconder o desprezo que sente de sua nova situação. Ela sente falta do yoga, do pilates e das festas de luxo em Nova York.
Jasmine beira à loucura, mas é tão fútil e superficial que é de impressionar o fato do espectador simplesmente perder o interesse por sua protagonista. Os momentos de pânico, a forma como se sente superior a todos, tudo colabora como construir uma personagem muito complexa, e não apenas charmosa como muitas das musas recentes de Woody.
A atuação de Blanchett é tão extraordinária que acabou ofuscando a ótima presença de Hawkins. Ela é a mulher simples, generosa, que apoia sua irmã mesmo tendo sido ignorada por todo o tempo em que esta foi rica. Ginger também tem seus problemas e sua relação com homens acaba surgindo como um alívio cômico do longa. Bobby Cannavale, Louis C.K. e Andrew Dice Clay surgem como os homens na vida de Ginger e todos entregam atuações surpreendentes. Um dos maiores comediantes da atualidade, C.K. surge muito bem em momentos românticos e Cannavale cumpre muito bem a função de descendente de italiano nervoso.
Peter Sarsgaard, Michael Stuhlbarg e Alden Ehrenreich completam o elenco principal de Blue Jasmine, que conta com uma bela direção de fotografia de Javier Aguirresarobe. A forma como retrata os ambientes de luxo com planos abertos e fecha as tomadas em lugares simples, como a casa de Ginger, mostra que a fotografia foi muito bem pensada. O modo como o longa conta a história de Jasmine, com flash backs que aparecem ao longo da obra sem serem exaustivos, também é ponto a favor da montagem de Alisa Lepselter.
Blue Jasmine pode não estar dentre os maiores filmes de Allen, mas sem dúvida traz uma atuação de destaque em sua filmografia. A performance de Blanchett é razão mais do que suficiente para se assistir ao filme. Mas, felizmente, está longe de ser o único motivo.