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    Grand Central
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Grand Central

    O amor é radioativo

    por Bruno Carmelo

    Este drama francês começa muito, muito bem. A câmera de Rebecca Zlotowski acompanha de perto Gary (Tahar Rahim), apresentando este jovem sem didatismo nem piedade: ele é visto de maneira frontal, crua, como um jovem esperto e disposto a aproveitar a primeira oportunidade oferecida. Gary é retratado como uma vítima da má situação financeira, tendo que aceitar o perigoso emprego em uma usina nuclear por falta de formação e de melhores propostas.

    A usina é um personagem à parte. Grande, imponente, ela é filmada como uma espécie de caverna misteriosa, repleta de regras de segurança, mas igualmente repleta de exceções que expõem aos trabalhadores a doenças e à aposentadoria precoce. A diretora e roteirista transforma este local em um símbolo máximo do perigo, da coragem e da masculinidade. Ele é povoado por homens brutos (tanto no sentido de pouco vulneráveis quanto no sentido de pouco cultos), frequentemente seminus, obrigados a confiar uns nos outros e a dormir no mesmo quarto, compartilhando às vezes as mesmas mulheres.

    Esta terra de homens másculos e de poucas palavras é a recriação de um cenário de guerra, cujo inimigo – a radioatividade – é incolor, inodoro e insípido. Já as poucas mulheres da usina desempenham funções mais simples (elas lavam as roupas dos homens), ocupando papéis secundários no filme. Neste contexto machista, aparece Karole (Léa Seydoux), mulher sem voz, sem opiniões, que namora Toni (Denis Ménochet) enquanto flerta com outros homens, inclusive Gary. A presença desta personagem motivou a maioria das acusações de misoginia em relação ao filme. Afinal, esta mulher aparece exclusivamente em cenas de sedução e sexo, e sua existência limita-se a saciar os instintos dos homens.

    Karole (cujo nome só é mencionado na segunda metade da história) é uma espécie de Geni de Chico Buarque, tão amada quanto detestada pelas pessoas ao redor. Reduzida ao arquétipo de mulher, nua na maioria das cenas, ela acaba se apaixonando por Gary, mas não consegue abandonar o namorado. Ela é ativa na hora do sexo, mas passiva quanto ao amor. Até este momento, Grand Central se desenvolve de maneira realista e social, mas o afeto transforma a ótica dos personagens (e também da diretora) em uma espécie de pesadelo simbólico.

    Isso porque uma pesada metáfora sobre a radioatividade entra na trama. Quando Gary se apaixona, ele é contaminado pela radioatividade. Quando mais ama, mais os índices tóxicos aumentam em seu corpo. Amar é perigoso, diz sem muita sutileza o roteiro. O real cede espaço a um clima de suspense (quem vai ficar com Karole?), com símbolos explícitos de conotação moral, como o vestido branco para a virgindade, e a chuva redentora e a ridícula cena da maçã do pecado, oferecida pelo marido à esposa infiel durante a festa de casamento.

    Por fim, Grand Central é um filme bruto, sem meios-termos, e também menos complexo do que pretende ser. Seus personagens apenas agem, não pensam nem discutem. Zlotowski demonstra talento para compor belos enquadramentos, mas não sabe muito bem o que pretende demonstrar através de sua história. Talvez por isso não exista uma conclusão – ou seja, o filme não tem final aberto, sugerindo alguns caminhos possíveis a Karole e Gary, e sim um término abrupto, que pode indicar todo e qualquer rumo. No final, tanto faz. Muita atenção foi dada à criação do clima, mas a simplória fábula moral não está à altura dessa estética rebuscada.

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